Como a masculinidade, não a ideologia, levam ao extremismo violento
Sociólogo escreve livro onde explica que o que leva homens jovens ao extremismo não é a ideologia, e sim a questão de gênero – a masculinidade, no caso.
Texto original The Washington Post – Por Dina Temple-Raston
Tradução Mídia NINJA
Me sentei com um jovem adolescente de Minnesota no ano passado que vendeu o pouco que tinha – seus tênis, seu iPhone e roupas caras que possuía – para comprar uma passagem de avião para a Turquia. Ele não estava indo a turismo. Ele decidiu se enfiar na Síria para se juntar ao Estado Islâmico. A razão pela qual foi atraído ao grupo não tinha quase nenhuma relação com sua ideologia, ele me contou. “No verão de 2014 o ISIS inteiro estava falando sobre era combater o regime de Assad,” ele disse. “Eu pensei que eu estava lutando do lado do povo oprimido.” Para ele, ir à Síria para lutar era sobre algo muito mais fundamental: Era sobre ser um homem; agir como um homem. “Eu sentia que eu iria encarar outro militar – exército de Assad – eu sentia que estava fazendo algo nobre; isso me deu propósito.”
Essa busca por propósito acabou levando-o a ser preso e acusado de ofensa terrorista. O FBI o interceptou momentos antes dele entrar em um vôo que eventualmente o levaria a Síria. Eu o entrevistei enquanto aguardava sua sentença.
O novo livro de Michael Kimmel, “Curando do Ódio: Como jovens homens entram – e saem – do Extremismo Violento,” é sobre jovens homens que acham significado nos lugares mais improváveis. Se você já se questionou porque quase todas as pessoas que você leu que se uniram ao Estado Islâmico ou grupos neonazistas ou os nacionalistas brancos alt-right são homens, Kimmel afirma que não é coincidência: Ele acredita que o gênero, especificamente a masculinidade, e tanto “a inspiração psicológica” que envia esses jovens homens para estes grupos “e a cola social que os mantém envolvidos.”
Se real – e Kimmel faz um caso convincente que é – isso poderia ser boas notícias para reabilitação, porque é muito mais fácil desafiar o extremismo violento tratando esses jovens como homens, em vez de tentar convencê-los que uma ideologia que eles possam ter abraçado é falha. A teoria de Kimmel, por extensão, é que jihadistas ou neonazistas ou skinheads podem se afastar da violência simplesmente encontrando novas formas de provar sua masculinidade e de sentir que suas vidas tem um propósito.
Para Kimmel, um sociólogo na Stony Brook University em Nova Iorque, um mergulho profundo nas complexidades da masculinidade é um território familiar. Ele é o autor de dois outros livros que cobrem terreno similar: “Homens Brancos Raivosos,” que foca nos espancadores de mulher e com problemas de raiva e o que os motiva, e “Caralândia: o perigoso mundo onde meninos se tornam homens,” que analisa a transição do homem da adolescência para a vida adulta. Em seu último trabalho, Kimmel se senta com homens os quais os maiores objetivos são a violência extrema. O elenco de personagens varia de Jackie Arklov, um neonazista com o apelido nada invejável de “homem mais odiado” na Suécia, a Frankie Meeink, um skinhead reformado da Filadélfia cuja vida é dito que vagamente forneceu a base para o filme de Edward Norton “A outra história Americana.” Kimmel também, quase no final do livro, olha para grupos islamitas, e para isso ele se volta para Maajid Nawaz, um antigo jihadista violento e um dos líderes do Quilliam, um think thank britânico que foca no contraterrorismo.
Entre outras coisas, Kimmel usa seu acesso incomum a “antigos” (pessoas que deixaram esses movimentos) para revelar o processo de radicalização. Ingo Hasselbach, que fundou um programa chamada EXIT Deutschland, reconta como um dia ele atraiu jovens homens para o movimento neonazista. “Eu gostava de me aproximar meninos e catorze a dezesseis anos depois da escola,” ele diz a Kimmel. “A primeira coisa que eu fazia quando eu conhecia um desses garotos era mostrar a ele que eu queria ser seu amigo, andar com ele, o que, vindo de alguém mais velho, especialmente alguém acima dos vinte, era um verdadeiro elogio. Eu agia muito como um irmão mais velho; a gente ia nos bosques juntos, e fazia coisas como exercícios de Escoteiros, construindo fortes e fazendo trilhas. Eu sempre colocava um pouco de ideologia contra estrangeiros no meio do caminho.”
Inevitavelmente, Kimmel disse, Hasselbach e recrutas como ele também introduziam gênero. Eles faziam um caso sugerindo que durante a história, tiveram grandes guerras entre as grandes raças de homens. Hasselbach disse que eles olhavam mapas d Europa de 1937 e falavam sobre a terra que foi “roubada” da Alemanha, e ao longo de muitas conversas eles iam plantando sementes de vitimismo e o que Kimmel chama de “direito agravado.” “Você pode assistir um menino de catorze anos rapidamente desenvolver um sentimento de injustiça,” Hasselbach disse Kimmel. Coloque uma salpicada de amor e uma pitada de aceitação da comunidade de irmãos do movimento, misture bem, e você tem um jovem rapaz em uma missão violenta.
Kimmel faz um bom trabalho explicando os eventos que levam homens a violência, e a trajetória parece padrão. Eles são pessoas que encararam trajetórias humilhantes: perda de empregos, dificuldade na escola, questões familiares. Kimmel defende que em vez de olhar para si mesmos para a razão do seu infortúnio, esses homens encontram a culpa no sistema, ou nos imigrantes, ou forças externas ocultas conspirando para mantê-los para baixo.
“Para um homem, os ex-nazistas, jihadistas e supremacistas brancos… se sentiram como homens fracassados. Mas em vez de transformar essa sensação de emasculação em direção à depressão, violência interpessoal, suicídio, ou automedicação por meio de drogas e álcool, estes jovens homens foram de alguma forma convencidos a externalizar seu sentimento de emasculação, transformar em raiva política justificada, e atacar essas forças que eles vieram a acreditar ser responsáveis pelas suas emasculações. Suas falhas não eram deles, como indivíduos; era algo feito a eles… por uma série de outros.”
Muito do livro contém exemplos que apontam para o gênero como chave motivadora para estes jovens homens que estão lesados e em busca de aceitação, mas é nas seções que focam nas soluções que Kimmel é mais bem sucedido. Entre outras coisas, ele descreve as formas engenhosas que alguns grupos de base encontraram para se injetar nas conversas. Considere Vida Após o Ódio, uma organização de ex participantes do movimento de extrema direita americano que tenta educar as pessoas sobre os riscos da violência extrema e racismo.
Eles tem diversos programas diferentes, incluindo Harmonia pelo Hóquei, que une jovens crianças da cidade de diversas realidades para colocar os patins e chegar no gelo (sem bater ou controlar). ideia é que pelo contato com o “outro” crianças que tipicamente não conheceriam em seus bairros, esses jovens descobrem suas próprias capacidades para a empatia, o que, em troca, torna mais difícil de grupos extremistas os recrutarem.
De longe a melhor ideia que Kimmel lembra envolve o grupo EXIT Deutschland, que está tentando ajudar skinheads na Alemanha a construir uma comunidade comprometida a se manter fora do movimento. Ajuda homens a se sentirem mais masculinos os dando assistência em encontrar trabalhos estáveis, e fornecendo terapia. Como grupos skinheads são conhecidos por matar ou aleijar membros que deixam suas fileiras, EXIT Deutschland tem que ser secretiva, então criou formas engenhosas e criativas para colocar a voz na rua sobre seus programas. Criou o que é chamado de “Camisetas de Troia” que membros, disfarçados de skinheads, distribuíram em um festival de música do poder branco.
“As camisetas eram bem legais: pretas, lógico, com uma logo ameaçadora na frente,” Kimmel escreveu. ” ‘Rebelde Hardcore’ era exaltado debaixo de uma caveira e duas bandeiras sem insígnia. Sob isso, o slogan se lia ‘Nacional e Livre.’ Maravilhoso, certo? E livre! Ganhos skinhead! Participantes imediatamente as colocaram e de repente um batalhão inteiro de ‘Rebeldes Hardcore’ estava dançando e fazendo mosh e bebendo e tendo um ótimo momento. Aparentemente os caras no festival amaram estas camisetas. Até, isso é, eles chegarem em casa e lavarem a camiseta, e neste momento a camiseta mudou.A tinta fosforescente que proclamava seus slogans, ‘Rebelde Hardcore’ e ‘Nacional e Livre,’ desapareceram, e ao invés um novo slogan apareceu: ‘Was dein T-shirt kann, kannst du auch’ (O que sua camiseta pode fazer, você também pode), junto da mensagem ‘Nós te ajudaremos a quebrar com o extremismo de direita’ e informações de contato da EXIT Deutschland.”
Kimmel escreve que depois da de encontrar com todos esses homens jovens e passar tempo com seus formadores, ele está “cautelosamente” otimista.” Ele vê uma forma de transformar a raiva niilista em um propósito com a combinação certa de apoio e orientação. Se a camiseta de Troia pode mudar, eles também podem, ele escreve.
E essa foi minha experiência própria, depois de mais de uma década conversando com dezenas e dezenas de homens jovens que abraçaram o islamismo radical. Um dos fundadores de um grupo islamista de Nova Iorque me disse alguns anos atrás que no final, ele simplesmente superou as ideias extremistas. E o adolescente de Minnesota que vendeu todas as suas posses com a esperança de ir à Síria para se unir ao Estado Islâmico? Ele foi colocado em um programa de reabilitação leve que não contesta a ideologia do grupo, mas tentou torná-lo uma pessoa com pensamento crítico maior, um homem que questiona. “Graças a Deus eu fui parado no aeroporto,” ele me disse. “E agora eu não acredito mais naquilo. Eu encontrei algo que eu posso substituir – eu vejo um futuro para mim aqui nos EUA. Eu tenho objetivos e aspirações. Eu só vou ter que provar para as pessoas que pensam que eu era um terrorista que eu não sou um.”