Maria do Rosário: Pela paz
Em tempos de discurso de ódio, atentados brutais, disseminação de mentiras, sejamos pela paz.
Onde quer que estejamos precisamos agir mais pela paz. Chegamos a um ponto no Brasil em que as mortes violentas se tornaram fatos banais, e o medo é um estado constante. Não podemos mais permanecer sob domínio das armas nas periferias urbanas, tornando a população refém do fogo cruzado entre o crime e as forças de segurança estatais, que agem igualmente com violência contra ela.
A paz exige um modelo de segurança pública integrado ao território, que receba investimentos e formação para ir muito além da contenção.
O atentado em que a vereadora Marielle Franco foi assassinada junto com seu motorista Anderson Gomes é parte de um ápice da escala de violência política contra defensores de direitos humanos, de parlamentares que defendem justamente ações para o desarmamento, fim da impunidade das chacinas e a paz. A tentativa de impedir Lula e as balas que atravessaram a lataria dos ônibus de sua caravana pelo Sul, também compõem esse quadro.
É preciso mudar imediatamente esse rumo. Você não pode aplaudir a violência, sobre quem quer que seja, pois isso revela uma degeneração moral.
Paz é uma condição verdadeira, concreta, objetiva e múltipla. Não apenas um sentimento interno a cada pessoa.
É preciso ter paz na política e isso se chama democracia.
É preciso paz na economia e isso se chama desenvolvimento com inclusão e partilha justa.
É preciso ter paz para que os filhos estejam na escola. Que a rua não seja escura. Ter paz no ônibus, no trem, no metrô. É preciso paz na estrada, cordialidade e respeito à vida.
É preciso ter uma paz que não seja perturbada pela inquietude do estômago vazio, das vísceras grudadas por não ingerir alimentos. É preciso ter uma paz garantida pelo reconhecimento de que sua voz é ouvida no poder.
É preciso ter paz de água potável, um copo com água, um banho com água, torneira com água. Cisterna com água, chuva que molha o chão para plantar. Mais água no mundo e menos água em lágrimas rolando pelo rosto das mulheres, das mães pretas e brancas, das crianças, pretas e brancas, das velhas, pretas e brancas. E indígenas também. E todas as etnias.
É preciso respeitar todo ser humano em dignidade e direitos para viver em paz com ele. E é fundamental construir novos padrões de consumo, igualitários e sustentáveis. A destruição da natureza não é pacífica, é violenta sobre todos os seres. É preciso uma paz não só humana, mas entre os humanos e todos os seres vivos deste mundo.
Precisamos nesse Brasil mais paz da convivência entre diferentes.
Bênçãos dos mais velhos, sorrisos de crianças, tambores que se enlacem em oração com as cruzes, gente que se ame. Artistas que cantem a paz.
Precisamos de mais juventude brincando e trabalhando. Juventude se mostrando viva e linda pela paz. Juventude que saiba dizer não, a violência não é minha praia, não é minha casa, não é minha vida, não é pra mim.
É necessário que a juventude possa confiar que tem um presente e um futuro, que não vai morrer cedo com a cabeça jogada num valão, que vai viver e ser feliz. Precisamos de governos pela paz, de juízes pela paz, de deputados pela paz, senadores pela paz, de polícias pela paz, de educação para paz, de cultura de paz.
E que todos que atuam em áreas de comando saibam que a paz não acontecerá se continuarem destruindo direitos, esperança e dignidade humana com exemplos negativos e discursos que instituem as armas como caminho e a violência como destino.
Pela paz as mulheres querem passar. As pessoas LGBT querem passar. As negras e negros querem passar. Os tidos como loucos, os que moram nas ruas, os andarilhos, os moradores de periferias e favelas, os desempregados, os explorados e estropiados, todos precisam passar.
Não há paz sem diversidade e reconhecimento das múltiplas e infinitas formas humanas, pois a guerra é feita contra eles, que são pobres, pretos e desconectados dos padrões do dinheiro.
Pela paz, precisamos acreditar novamente que a democracia é possível, que o serviço público serve a sociedade, que ninguém quer se dar bem sem pensar no outro que está se dando mal, porque não é justo que tudo falte na casa de alguém e se desperdice ou use indevidamente de bens em outro lugar.
A paz não comporta privilégios, mas igualdade. Não comporta ataques pessoais, mas argumentos. Não comporta vingança, pois é justiça.
Se você continuar dizendo que uma parte das pessoas não têm direitos humanos, você não está na paz. Você não está querendo mudar nada. Você se acostumou com a violência, você naturalizou tantas mortes, você perdeu a esperança. Pare e pense na mudança que vamos produzir se as ideias de generosidade e paz tocarem cada pessoa agora. Tocarem você.
Então, um migrante será um irmão.
A toda pessoa, de qualquer etnia ou cor da pele, você dirá bom dia. Você não interromperá as crianças e jamais as ensinará o ódio e os preconceitos. Você estará de mãos dadas com a humanidade unida. Você saberá que o certo a fazer não é seguir líderes que promovem ódio e mentem. Que o certo é seguir a sua consciência e que ela seja para a paz.
Por isso esse texto é um convite: vamos nos organizar para uma jornada que enfrenta todas as ações que fragmentam a sociedade brasileira e nos fazem reféns da cultura do ódio, do terror e da violência de Estado praticada na ditadura.
Vamos nos organizar em grupos de amigos, vizinhos, colegas de escola, de esporte, de trabalho ou em família mesmo, e conversar sobre esse tema.
Sejamos mais humanos como Martin Luther King, Mahatma Gandhi, Doroty Stang, Chico Mendes, Margarida Alves, Marielle Franco. Jamais sejamos como seus assassinos.
Sejamos construtores de uma cultura viva de paz.