Não somos escravos de nenhum senhor
Alegorias, fantasias, décimos e quesitos a parte, a agremiação de São Cristóvão, o quilombo da favela, termina a aclamada Campeã do Povo.
Como parte da geração que foi criada pela TV em uma cidade distante do eixo, vejo no desfile das escolas de samba uma tradição e uma paixão, o meu futebol, a apuração é o meu Super Bowl. Por isso, peço licença a minha Imperatriz de Ramos para falar de outra escola hoje.
Paraíso do Tuiuti acaba de ser consagrada vice-campeã do Carnaval do Rio de Janeiro. Altamente celebrada desde seu desfile no último domingo, o recado mais retumbante da maior festa popular do mundo deste ano veio da Sapucaí e não dos blocos de rua.
Registro também o paralelo de domingos: em 2016, após apresentar Formation na final do NFL, os Estados Unidos descobriram que a Beyoncé era negra. Em 2018, após atravessar a avenida, parte do Brasil pareceu descobrir que o Carnaval é político.
E é preciso que não fique dúvida – foi um desfile sobre a escravidão, sobre o preconceito racial. Foram 400 anos de trabalho escravo no Brasil e este ano chegamos ao aniversário de 130 anos da Lei Áurea. Temas que, claro, tem tudo a ver com as reformas criticadas, ironizam os manifestantes fantoches e o “Temer Vampirão”. Se a CLT é um problema de todos hoje, os negros dos nosso país nunca nem viram o que é um trabalho regularizado.
Como editora da Mídia NINJA, não sei colocar em palavras a dor sentida a cada vez que entrava na página, o post fixado com a foto de um rapaz negro com a Máscara de Flandres, uma cena tão antiquada quando torturantemente atual. Esse post chegou a mais de 100 mil shares, mais de 15 milhões de pessoas alcançadas – o alcance de quem fura a bolha para conversar com mais de 50% da população brasileira.
Alegorias, fantasias, décimos e quesitos à parte, a agremiação de São Cristóvão, o quilombo da favela, termina aclamada Campeã do Povo.
Estamos encerrando esse ciclo carnavalesco com a alma lavada nessa quarta feira de cinzas, comemorando essa noite para acordar amanhã e seguir lutando contra o trabalho precário, o genocídio, a falta de acesso à saúde e educação, a solidão e tantos outros resquícios escravocratas no Brasil.
É um alento para aqueles que sabem que nenhuma revolução será feita se não a partir de uma ótica anti racista, levando em consideração principalmente as mulheres negras. E, se não bastasse, conseguimos que o discurso chegasse a milhões de lares pelo veículo mais inusitado/golpista – a Globo.
Não somos escravos de senhor nenhum e nos vemos no sábado, Campeã.