#8M no Piauí: Resistência das mulheres no estado que mais as mata
Em Teresina, mulheres fazem ato unificado reivindicando desde os direitos trabalhistas ao direito de viver
Por Isolda Benício
De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2016 o Piauí foi palco de 58% dos casos de feminicídio no país. Segundo Samira Bueno, executiva do Fórum “é a estatística esperada pelos especialistas”. Os dados e a realidade se expressam na palavra mais dita no ato do dia Internacional da Mulher em Teresina: resistência.
“Da parada de ônibus pra minha casa é muito longe. A rua é muito deserta. Ai toda vez que eu desço na parada, que eu tô indo pra casa, é […] muito tenso.”, conta Ariane Martins, moradora do Dirceu, periferia da cidade. “Já aconteceu de eu ficar com medo no próprio ônibus, […] quando só tinha o cobrador, o motorista e um passageiro homem. Eu ficava tipo “Meu Deus, eu tô num ônibus com três homens que eu não conheço. ”
Teresina, há 14 anos governada por Firmino Filho (PSDB), ainda carrega grandes problemas de segurança pública e transporte. Para Thais Guimarães, jornalista, a má administração pública afeta diretamente o direito de ir e vir das mulheres. “[…] chegar em casa depois das nove horas da noite de ônibus é inviável, por medo de descer sozinha numa parada escura. Então a cidade nos é negada.”
Com essas e outras pautas, como a reforma da previdência e a reforma trabalhista, o tradicional ato do 8 de março em Teresina foi formado por setores do movimento social que pautam o feminismo, como Movimento Mulheres em Luta – MML, RUA – Juventude Anticapitalista e AFRONTE. Não foi um ato com grande adesão de público, mas cumpriu sua tarefa. “A ideia era dialogar com as mulheres trabalhadoras que estavam voltando pra casa no fim da tarde nas paradas de ônibus, sobre as pautas de retiradas de direitos, sobre a violência contra mulheres, e violências específicas contra mulheres LBTs e negras”, declara Letícia Lima, militante feminista do RUA.
A falta de adesão ao movimento é conhecida por todas as mulheres ali presentes. A força do machismo atua em todas, inclusive entre aquelas que foram pra rua. “A gente não sabe o que acontece dentro da casa das mulheres que tão aqui sempre na luta. Todas as vezes nos atos sorrindo, gritando, mas a gente não sabe o que acontece.”, comenta Brenda Marques, do coletivo AFRONTE.
Brenda foi à rua no Dia Internacional da Mulher inspirada e motivada por suas familiares. “Sou negra, e vim de família em que as mulheres eram batalhadoras, eram de sindicato. Faziam falas (públicas) mesmo sendo analfabetas, mas mesmo assim dentro de casa sofriam violência machista. Apanhavam dos seus maridos […] sempre.”
Imigrante como a maioria das moradoras de Teresina, a militante vem de São João do Piauí, sudeste do estado. Vê o feminismo como única forma de combater toda a injustiça sofrida por ela e suas companheiras. “Ser feminista nessa Teresina, nesse Piauí, onde tem um alto índice de feminicídio, de injustiça ou mesmo de estupro coletivo, é resistência. […] O meio dessas mulheres batalhadoras aqui no interior do Piauí é muito forte. […] O feminismo é única forma de eu chegar em São João do Piauí e fazer com que as mulheres, companheiras de sindicato, não tenham a violência machista dentro de casa. Se não for pela luta, não vai ter outra forma.”.
Os números de feminicídio espantam, e por trás de número existem histórias jamais ditas. Thaís acredita que a mídia silencia boa parte dos casos de violência contra a mulher. “É feminicídio? É. São mulheres que estão morrendo? São. Mas são mulheres brancas. São estudantes de classe média. As mulheres que morrem nas suas casas, negras, na periferia, pouco se tem notícia. Vai meramente pras estatísticas. ”
“Não foi só a Camilla, não foi só a Iarla que foram assassinadas em 2017.”, exemplifica Thaís com os casos de Iarla Lima e Camilla Abreu, os mais cobertos pela imprensa piauiense ano passado. Ela cobra da mídia e da sociedade a busca da história de todas as 54 mulheres que sofreram feminicídio em 2016 e todas as outras que morreram até agora. “Quem foram essas outras mulheres? Elas também têm uma história, elas também têm uma memória. E a mídia precisa aprender a respeitar não só nós mulheres, mas nossa memória, nosso legado. ”
Buscando resgate da memória das mulheres piauienses e garantia de seus direitos, a União de Mulheres Piauienses – UMP aproveitou o evento para divulgar seu calendário:
9 de março: I Seminário Feminista, com temas a história da UMP, fundada em 1994, e a PEC 181. Acontecerá no Espaço Memorial Esperança Garcia, às 15 horas.
23 e 24 de março: V Congresso da União de Mulheres Piauienses, com vasta programação e discussões específicas sobre as opressões sofridas pelas mulheres do estado. Mais informações em breve.