600 milhões de litros de agrotóxicos ameaçam comunidades do Cerrado, segundo dossiê
Monoculturas de soja, milho e cana-de-açúcar são as principais responsáveis por esse impacto, expondo a população local a uma convivência compulsória com esses produtos químicos.
Por Leila Monnerat
A Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Tribunal Permanente dos Povos em Defesa dos Territórios do Cerrado (TPP) e a Fiocruz publicaram o documento “Vivendo em territórios contaminados: um dossiê sobre agrotóxicos nas águas do Cerrado”. O relatório revela que mais de 600 milhões de litros de agrotóxicos são despejados anualmente nesse bioma, correspondendo a 73,5% do total usado no Brasil em 2018. Monoculturas de soja, milho e cana-de-açúcar são as principais responsáveis por esse impacto, expondo a população local a uma convivência compulsória com esses produtos químicos.
Segundo o estudo, em todas as comunidades em que houve coleta de água, foi identificado ao menos um resíduo de agrotóxico. Nos territórios da Comunidade Barra da Lagoa (PI), o Acampamento Leonir Orback (GO), a Comunidade Geraizeira de Formosa do Rio Preto (BA), o Território Tradicional Serra do Centro (TO), o Território Cocalinho (MA), a Comunidade Cumbaru (MT) e o Assentamento Eldorado II (MS) foram identificados, no total, 13 ingredientes ativos nas amostras de água coletadas.
Os autores destacam que atrazina, 2,4-D, azoxistrobina, ciproconazol, difenoconazol, epoxiconazol, etofenprox, fipronil, glifosato, metolacloro, picoxistrobina, piraclostrobina e trifloxistrobina se misturam às águas das comunidades, sejam elas para beber, cozinhar, nadar ou cuidar dos animais e das roças e roçados. O estudo ressalta que todos eles possuem uso autorizado na soja no Brasil, mas 46,15% desses (atrazina, ciproconazol, epoxiconazol, fipronil, metolacloro e picoxistrobina) não são autorizados na União Europeia pelo fato de serem altamente tóxicos ou perigosos ao ambiente e à saúde da população.
O glifosato foi detectado em todos os sete estados participantes da pesquisa-ação, em ambos os ciclos, à exceção do segundo ciclo no Território Tradicional Serra do Centro (TO). Apesar disso, no estado do Tocantins, ele foi detectado em 100% dos pontos no primeiro ciclo, evidenciando sua ampla presença nas diferentes fontes de água analisadas, como rios e riachos, e na água coletada nas residências das comunidades (cacimbas, poços e água não tratada recolhida diretamente das torneiras).
Conforme a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a safra de soja de 2020/21 ocupou 38,5 milhões de hectares no Brasil, sendo 20 milhões de hectares no Cerrado, equivalente a 52% da área total cultivada. O MapBiomas destaca que a área de soja no Cerrado aumentou mais de 1.440% entre 1985 e 2021, agora ocupando cerca de 10% do território total. Esse crescimento da soja está ligado à destruição ambiental e aos impactos negativos sobre as comunidades locais. Dados também do MapBiomas mostram que, de 1985 a 2021, foram devastados mais de 29,7 milhões de hectares de vegetação nativa, restando apenas 51% do Cerrado com cobertura original. A soja é a principal commodity brasileira.
Estudos indicam que o uso descontrolado de agrotóxicos nas áreas de agronegócio intensivo age como uma potencial arma química, dificultando a produção e reprodução da vida nos territórios afetados. O dossiê combina revisão de literatura, coleta e análise de amostras de água, além de análises toxicológicas ambientais, para fundamentar o uso de agrotóxicos como armas químicas. Frente a essa situação, discute-se a criação de um marco regulatório internacional contra o uso indiscriminado de agrotóxicos na ONU. No entanto, esse processo pode demorar anos e exige engajamento direto das lideranças mundiais e enfrentamento ao poder das grandes indústrias de venenos.
Acesse a íntegra do dossiê: