30 anos do Massacre do Carandiru: Iniciativas evitam que chacina seja esquecida
Maior chacina em um presídio chocou o Brasil e o mundo, mas a memória desse evento ainda sofre com fortes tentativas de apagamento
Por Mauro Utida
O massacre do Carandiru, ocorrido em 2 de outubro de 1992, completou 30 anos este ano. A Polícia Militar do Estado de São Paulo executou ao menos 111 pessoas – sobreviventes do massacre clamam que foram muito mais – sem contar a morte em vida de familiares e amigos dos mortos, que sobrevivem ao luto e à dor até hoje.
A maior chacina em um presídio brasileiro chocou o Brasil e o mundo, tendo escancarado a situação crítica do sistema carcerário. No entanto, a memória desse evento sofreu e ainda sofre com fortes tentativas de apagamento de sua história.
A Frente Estadual pelo Desencarceramento de São Paulo (FED-SP) produziu um vídeo com entrevistas com mães das vítimas que foi lançado no último domingo, dia 2, que marcou os 30 anos do Massacre do Carandiru e também foi marcado pelo primeiro turno das eleições.
“Um dia que é inevitável relembrar das vidas perdidas em uma democracia de massacres. Essas mulheres marcam a data dos 30 anos do massacre do Carandiru e nos chamam para refletir sobre a “democracia” que vivemos, por uma sociedade sem prisões e que responsabiliza o estado que mata, prende e promove a dor”, declara a FED.
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A Pastoral Carcerária também elaborou um relatório chamado ’30 anos do Massacre do Carandiru: Para não esquecer”, que reelembra a chacina, questiona o projeto de lei 2821/2021 e a anistia dos agentes responsáveis pelo massacre, além de criticar a tentativa do estado em querer apagar a história.
No último dia 2 de agosto, exatamente 2 meses antes dos 30 anos do massacre do Carandiru, a Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados aprovou o PL 2821/21 que concede anistia aos policiais militares processados ou punidos pelo massacre. A proposta foi criada pelo deputado Capitão Augusto (PR/SP) e teve como relator o deputado Sargento Fahur (PSD/PR).
“Como justificativa da criação da PL, foi alegado que não houve demonstrações de nenhuma conduta individual certa e definida que possam comprovar a responsabilidade dos policiais nas centenas de mortes. A principal argumentação do PL parte do princípio de que a responsabilização dos polícias vem de motivações ideológicas oriundas de julgamentos políticos”, informa o artigo da Pastoral.
A entidade ligada a Igreja Católica também alega que a extrema violência e o arbítrio da força escancaradas pela segurança pública durante o massacre, ao ser analisada apenas pela perspectiva da responsabilização individual dos policias, tira das mãos do Estado o sangue de mais de uma centena de mortes.
Até hoje a única autoridade julgada e condenada pelo massacre foi o Coronel Ubiratan Guimarães, que virou deputado estadual em 2002 usando o número “111” nas urnas. Em 2006, ele foi inocentado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que considerou os atos do dia 2 de outubro justificados pelo “estrito cumprimento do dever legal”. Meses depois, o Coronel foi assassinado. A acusação do assassinato recaiu sob sua namorada à época, que foi inocentada em júri popular por falta de provas.
Mas o gatilho do Coronel Ubiratan e de suas tropas não foi apertado sozinho: a ação teve aval do Governo do Estado. E neste caso, as famílias de pessoas mortas no massacre entraram com ações de indenização. Contudo, em levantamento feito por pesquisadores da Fundação Getúlio Vargas (FGV) , com dados até novembro de 2015, dentre as 73 ações de indenização identificadas, apenas 43 haviam concluído todo o trâmite jurisdicional com a disponibilização dos valores para as famílias.
Memória do Carandiru apagada
Para a Pastoral Carcerária, o direito à memória daqueles que se foram no dia 2 de outubro de 1992 também foi negado. Expressão disso é a demolição da própria estrutura da Casa de Detenção, a qual não existe mais. No lugar, o mesmo governo genocida ergueu um monumento que é objeto de chacota por estes, a palavra “massacre” foi nesse lugar substituída por “motim”, em mais uma tentativa de apagamento da memória coletiva.
“Mais uma expressão do sarcasmo humano que nem respeita o luto e a dor de tantas famílias e pessoas que consideram esta terra sagrada porque é regada pelo sangue de vidas humanas, ferindo e profanando a Mãe Terra”, informa.
As tentativas de apagamento desta chacina levou a pesquisadora Adriana Mariana de Araujo Rodrigues a se debruçar sobre essa questão em sua dissertação de mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação (PPGCI) da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP. A pesquisa ‘Carandiru: formas de lembrar, maneiras de esquecer’ mostra como e através de quais mecanismos se dá essa política de esquecimento deliberado do passado.
Além do exemplo da demolição da Casa de Detenção dez anos depois do massacre, onde foi inaugurado o Parque da Juventude e a Escola Técnica Estadual (Etec) homônima, além da Etec de Artes, Adriana questiona que o lugar não possui um trabalho de preservar a memória do massacre e das vítimas no parque, escola e biblioteca.
“Quando você não resolve estruturalmente essas questões, a memória continua a vir à tona. Ali é um espaço mal resolvido, não adianta só dizer ‘eu vou fazer um belo parque para a juventude, escola, biblioteca’, se não tem um trabalho de memória”, afirma a pesquisadora em entrevista ao Jornal da USP.
Outro exemplo do apagamento perpetrado pelas instâncias oficiais, segundo ela, são as tentativas de mudar o nome da estação da linha Azul do Metrô, de Carandiru para Parque da Juventude. Adriana encontrou quatro projetos de lei nesse sentido, todos com justificativas que defendiam o esquecimento.
“Esse esforço em ocultar a memória é muito perigoso, não apenas por esquecer do sofrimento das vítimas. Ao fazer isso, corre-se o risco de que os erros cometidos no passado se repitam no presente”, informou Adriana.
No entanto, ela fala de algumas ações que propõem um resgate, como o portal Memória Massacre Carandiru, que reúne documentos e materiais para refletir sobre o acontecimento, além de mapear a situação atual do nosso sistema carcerário. Adriana também aponta a arte como meio de não deixar a memória se perder. Um dos exemplos mais famosos é a música Diário de um Detento, do grupo Racionais MC’s, que retrata a invasão através do rap. O filme Carandiru, de Hector Babenco, é um outro exemplo citado pela pesquisadora em sua dissertação.
Ela ressalta que é indispensável haver esse contraponto de narrativas, a fim de que a realidade do passado não acabe sendo, aos poucos, substituída por um simulacro que só beneficia os responsáveis pelo massacre. “Existe muita resistência, ainda bem! Da arte, de instituições, de familiares, de sobreviventes. Para que essa memória não suma, o importante é continuar resistindo”, ela afirma.
No relatório produzido pela Pastoral Carcerária, os pesquisadores destacam que a luta pelo desencarceramento é composta por pessoas que se importam. “É o sangue e suor daqueles que se importam que deve ser lembrado neste dia 02 de outubro de 2022. É o nome e a memória dos 111 mortos – e de todas as vítimas do sistema prisional – que ecoará”.
Vítimas do Massacre do Carandiru
1) Adalberto Oliveira dos Santos
2) Adão Luiz Ferreira de Aquino
3) Adelson Pereira de Araujo
4) Alex Rogério de Araujo
5) Alexandre Nunes Machado da Silva
6) Almir Jean Soares
7) Antonio Alves dos Santos
8) Antonio da Silva Souza
9) Antonio Luiz Pereira
10) Antonio Quirino da Silva
11) Carlos Almirante Borges da Silva
12) Carlos Antonio Silvano Santos
13) Carlos Cesar de Souza
14) Claudemir Marques
15) Claudio do Nascimento da Silva
16) Claudio José de Carvalho
17) Cosmo Alberto dos Santos
18) Daniel Roque Pires
19) Dimas Geraldo dos Santos
20) Douglas Edson de Brito
21) Edivaldo Joaquim de Almeida
22) Elias Oliveira Costa
23) Elias Palmiciano
24) Emerson Marcelo de Pontes
25) Erivaldo da Silva Ribeiro
26) EstefanoMard da Silva Prudente
27) Fabio Rogério dos Santos
28) Francisco Antonio dos Santos
29) Francisco Ferreira dos Santos
30) Francisco Rodrigues
31) GenivaldoAraujo dos Santos
32) Geraldo Martins Pereira
33) Geraldo Messias da Silva
34) Grimario Valério de Albuquerque
35) Jarbas da Silveira Rosa
36) Jesuino Campos
37) João Carlos Rodrigues Vasques
38) João Gonçalves da Silva
39) Jodilson Ferreira dos Santos
40) Jorge Sakai
41) Josanias Ferreira de Lima
42) José Alberto Gomes pessoa
43) José Bento da Silva
44) José Carlos Clementino da Silva
45) José Carlos da Silva
46) José Carlos dos Santos
47) José Carlos Inojosa
48) José Cícero Angelo dos Santos
49) José Cícero da Silva
50) José Domingues Duarte
51) José Elias Miranda da Silva
52) José Jaime Costa e Silva
53) José Jorge Vicente
54) José Marcolino Monteiro
55) José Martins Vieira Rodrigues
56) José Ocelio Alves Rodrigues
57) José Pereira da Silva
58) José Ronaldo Vilela da Silva
59) Josue Pedroso de Andrade
60) Jovemar Paulo Alves Ribeiro
61) Juares dos Santos
62) Luiz Cesar leite
63) Luiz Claudio do Carmo
64) Luiz Enrique Martin
65) Luiz Granja da Silva Neto
66) Mamed da Silva
67) Marcelo Couto
68) Marcelo Ramos
69) Marco Antonio Avelino Ramos
70) Marco Antonio Soares
71) Marcos Rodrigues Melo
72) Marcos Sérgio Lino de Souza
73) Mario Felipe dos Santos
74) Mario Gonçalves da Silva
75) Mauricio Calio
76) Mauro Batista Silva
77) Nivaldo Aparecido Marques de Souza
78) Nivaldo Barreto Pinto
79) Nivaldo de Jesus Santos
80) Ocenir Paulo de Lima
81) OlivioAntonio Luiz Filho
82) Orlando Alves Rodrigues
83) Osvaldino Moreira Flores
84) Paulo Antonio Ramos
85) Paulo Cesar Moreira
86) Paulo Martins Silva
87) Paulo Reis Antunes
88) Paulo Roberto da Luz
89) Paulo Roberto Rodrigues de Oliveira
90) Paulo Rogério Luiz de Oliveira
91) Reginaldo Ferreira Martins
92) Reginaldo Judici da Silva
93) Roberio Azevedo da Silva
94) Roberto Alves Vieira
95) Roberto Aparecido Nogueira
96) Roberto Azevedo Silva
97) Roberto Rodrigues Teodoro
98) Rogério Piassa
99) Rogério Presaniuk
100) Ronaldo Aparecido Gasparinio
101) Samuel Teixeira de Queiroz
102) Sandoval Batista da Silva
103) Sandro Rogério Bispo
104) Sérgio AngeloBonane
105) Tenilson Souza
106) Valdemir Bernardo da Silva
107) Valdemir Pereira da Silva
108) Valmir Marques dos Santos
109) Valter Gonçalves Gaetano
110) Vanildo Luiz
111) Vivaldo Virculino dos Santos
Leia mais:
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