O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) divulgou seu mais recente relatório “Pobreza Alimentar Infantil: Privação Nutricional na Primeira Infância”. A entidade reporta que 440 milhões de crianças menores de 5 anos vivem na chamada “pobreza alimentar infantil”. Destas, 181 milhões estão enfrentando extrema pobreza alimentar (fome), o que as torna até 50% mais propensas a sofrer de emaciação e outras formas graves de desnutrição que ameaçam a vida. As análises utilizaram dados do Banco de Dados Global sobre Alimentação Infantil do UNICEF, que reúne informações de 670 pesquisas nacionais representativas realizadas em 137 países e territórios, em diferentes grupos de renda.

Fonte: UNICEF

A pobreza alimentar infantil é avaliada usando a pontuação de diversidade alimentar estabelecida pelo UNICEF e pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Para garantir um crescimento e desenvolvimento saudáveis, as crianças devem consumir alimentos de pelo menos cinco dos oito grupos alimentares definidos: 1) leite materno; 2) grãos, raízes, tubérculos e bananas; 3) leguminosas, nozes e sementes; 4) laticínios; 5) carne bovina, frango e peixe; 6) ovos; 7) frutas e vegetais ricos em vitamina A; 8) outras frutas e vegetais.

Segundo o UNICEF, a pobreza alimentar infantil prejudica todas as crianças, mas é particularmente danosa na primeira infância, quando a ingestão insuficiente de nutrientes essenciais pode causar maiores danos à sobrevivência infantil, ao crescimento físico e ao desenvolvimento cognitivo. As consequências podem durar a vida toda: crianças privadas de uma boa nutrição na primeira infância têm pior desempenho escolar e menor capacidade de obter rendimentos na idade adulta, perpetuando o ciclo de pobreza e privação.

Crianças que consomem, no máximo, dois dos oito grupos alimentares definidos são consideradas em extrema pobreza alimentar. Quatro em cada cinco crianças nessa situação são alimentadas apenas com leite materno/leite e/ou um alimento básico amiláceo, como arroz, milho ou trigo. Menos de 10% dessas crianças consomem frutas e vegetais, e menos de 5% consomem alimentos densos em nutrientes, como ovos, peixe, aves ou carne.

“Crianças vivendo em extrema pobreza alimentar estão vivendo no limite. Neste momento, essa é a realidade para milhões de crianças pequenas, e isso pode ter um impacto negativo irreversível em sua sobrevivência, crescimento e desenvolvimento cerebral,” disse a Diretora Executiva do UNICEF, Catherine Russell.

Fonte: UNICEF

O relatório alerta que, enquanto os países ainda se recuperam dos impactos socioeconômicos da pandemia de COVID-19, os efeitos das crescentes desigualdades, conflitos e da crise climática elevaram os preços dos alimentos e o custo de vida a níveis recordes. Dos 181 milhões de crianças vivendo em extrema pobreza alimentar, 65% residem em apenas 20 países. Cerca de 64 milhões de crianças afetadas estão no sul da Ásia e 59 milhões na África Subsaariana.

Na Somália, um país que enfrenta conflitos, seca e inundações, 63% das crianças estão vivendo em extrema pobreza alimentar, e nas comunidades mais vulneráveis, mais de 80% dos cuidadores relataram que suas crianças ficaram um dia inteiro sem comer.

Na Faixa de Gaza, meses de hostilidades e restrições à ajuda humanitária colapsaram os sistemas alimentares e de saúde, resultando em consequências catastróficas para as crianças e suas famílias. Cinco rodadas de dados coletados entre dezembro de 2023 e abril de 2024 constataram consistentemente que 9 em cada 10 crianças na Faixa de Gaza estão enfrentando extrema pobreza alimentar, sobrevivendo com dois ou menos grupos alimentares por dia. Isso é uma evidência do impacto horrível que o conflito e as restrições estão tendo na capacidade das famílias de atender às necessidades alimentares das crianças, colocando-as rapidamente em risco de desnutrição que ameaça a vida.

Fonte: UNICEF

Fatores que impactam a alimentação infantil

Uma em cada três crianças nos países frágeis vive em situação de pobreza alimentar infantil grave. Para as crianças em contextos extremamente frágeis, a percentagem afetada pela pobreza alimentar infantil grave pode atingir níveis excepcionalmente elevados, como no Afeganistão (49%), na Somália (63%) e, mais recentemente, na Faixa de Gaza, no Estado da Palestina (com nove em cada dez crianças vivendo em situação de pobreza alimentar infantil grave entre dezembro de 2023 e abril de 2024), segundo o documento.

O relatório mapeou que quase metade (46%) de todos os casos de fome infantil estão entre lares pobres, enquanto 54% – ou 97 milhões de crianças – vivem em lares relativamente mais ricos, onde ambientes alimentares deficientes e práticas alimentares são os principais fatores da pobreza alimentar na primeira infância. Isso demonstra que o rendimento familiar não é o único fator de pobreza alimentar infantil.

Vários fatores estão alimentando a crise da pobreza infantil, incluindo sistemas alimentares que não fornecem opções nutritivas, seguras e acessíveis para as crianças, a incapacidade das famílias de pagar por alimentos nutritivos e a incapacidade dos pais de adotar e manter práticas positivas de alimentação infantil. Em muitos contextos, alimentos e bebidas ultraprocessados, baratos, pobres em nutrientes e não saudáveis são agressivamente comercializados para os pais e famílias, tornando-se a nova norma para alimentar crianças. Esses alimentos e bebidas não saudáveis são consumidos por uma proporção alarmante de crianças pequenas enfrentando pobreza alimentar, substituindo alimentos mais nutritivos e saudáveis em suas dietas diárias.

Alguns avanços foram obtidos

Apesar dos dados alarmantes, houve progresso notável em alguns países. Por exemplo, Burkina Faso reduziu pela metade a taxa de extrema pobreza alimentar infantil de 67% (2010) para 32% (2021). Nepal reduziu a taxa de extrema pobreza alimentar infantil de 20% (2011) para 8% (2022). O Peru manteve a taxa abaixo de 5% desde 2014, em meio a um período prolongado de declínio econômico, e Ruanda reduziu a taxa de 20% (2010) para 12% (2020).

Para acabar com a pobreza alimentar infantil, o UNICEF pede aos governos, organizações de desenvolvimento e humanitárias, doadores, sociedade civil e à indústria de alimentos e bebidas que urgentemente:

  • Transformem os sistemas alimentares para que alimentos nutritivos, diversificados e saudáveis sejam a opção mais acessível, barata e desejável para os cuidadores alimentarem as crianças pequenas.
  • Aproveitem os sistemas de saúde para fornecer serviços essenciais de nutrição para prevenir e tratar a desnutrição na primeira infância, incluindo apoio para trabalhadores comunitários de saúde e nutrição aconselharem pais e famílias sobre práticas de alimentação e cuidados infantis.
  • Ativem sistemas de proteção social para abordar a pobreza de renda por meio de transferências sociais (dinheiro, alimentos e vouchers), de maneira que responda às necessidades alimentares e nutricionais de crianças vulneráveis e suas famílias.

Para acelerar ações para prevenir, detectar e tratar a extrema pobreza alimentar infantil e a desnutrição, o Fundo de Nutrição Infantil (CNF, do inglês, Child Nutrition Fund) foi lançado no ano passado. Ele é um mecanismo de financiamento multiparceiro liderado pelo UNICEF que incentiva investimentos locais para acabar com a desnutrição infantil. O UNICEF convida governos, doadores e parceiros financeiros a apoiarem o CNF e a priorizarem políticas e práticas sustentáveis para acabar com a extrema pobreza alimentar infantil e a desnutrição.

Acesse a íntegra do relatório original aqui.