
19º For Rainbow: um festival marcado por arte, militância, afeto e muita diversidade
Evento multicultural no Ceará destacou a visibilidade lésbica e a força do audiovisual LGBTQIAPN+
Por Sé Souza
Mentalmente ainda estou lá. Começo este texto destacando as minhas saudades da 19ª edição do For Rainbow – Festival de Cinema e Cultura da Diversidade Sexual e de Gênero, que marcou a minha primeira vez no festival, em Fortaleza e no Ceará de maneira geral. De 22 a 29 de agosto, a cidade foi ocupada por diversas atividades culturais, passando por cinema, teatro, performances, shows musicais, literatura e também fomentando o empreendedorismo individual de pessoas LGBTQIAPN+.
No percurso cinematográfico pela Cine Ninja, tive a oportunidade de estar presente e cobrir eventos incríveis, que são de extrema importância para o cinema e o audiovisual brasileiro. Mas confesso que o For Rainbow teve um gostinho diferente. Atribuo ao fato de eu ser uma mulher trans que, por muitas vezes, é a única do rolê, e estar num evento repleto de pessoas como eu — e não só da minha letra e recorte, mas de toda a comunidade LGBT — foi realmente revigorante.
Verônica Guedes, diretora do For Rainbow, merece todos os louros possíveis. Que mulher incrível. Apesar do ar tímido e reservado, ela carrega em si uma força e resistência gigantes, e há 19 anos coloca de pé um festival multicultural focado em diversidade, no país que mais mata LGBTs, apesar do véu aparente de liberdade e modernidade.
Ainda temos um caminho gigante a percorrer, né? No encerramento, ela destacou que foram dias “intensos e incríveis, cheios de realizações e superações”. Ressaltou também um “público expressivo e maravilhoso” ao longo do ano, com diversos shows realizados. A luta contra a “LGBTQIA+fobia estrutural e institucional” foi mencionada como um desafio enfrentado anualmente. “Nós resistimos, celebramos e seguimos juntos!”, disse.
E que edição especial, sobretudo por acontecer durante o mês da Visibilidade Lésbica, algo super importante para uma parcela da comunidade tão invisibilizada. Não à toa, o tema deste ano foi “Visíveis e Infinitas”.
“Pela primeira vez, o festival trouxe a visibilidade lésbica para o centro. Foi uma edição histórica, um marco de reconhecimento para mulheres lésbicas e bissexuais”, afirmou Cecília Góis, feminista, antirracista, militante, defensora dos direitos humanos e peça fundamental na produção do evento.
Além disso, o festival homenageou quatro mulheres parlamentares do Ceará que se destacam pela resistência dentro do legislativo e pela coragem de enfrentar a violência política de gênero. O Troféu Artur Guedes foi entregue a Larissa Gaspar, Adriana Almeida, Adriana Gerônimo, Mari Lacerda e Maria Luíza Fontenele.
Quanto à programação, acredito que o público cearense pôde ver um pouco do melhor produzido no cinema contemporâneo, seja em sua mostra local ou na nacional. Destaco o curta francês Gigi, de Cynthia Calvi, que me tocou em um lugar muito íntimo; o incrível, neon e efervescente Salomé, de André Antonio; o catártico Peixe Morto, de João Fontenele; o leve e afetuoso Noroeste, de Cibele Appes; o inspirador e inclusivo Nem Toda História de Amor Acaba em Morte, de Bruno Costa; o divertido e atual Vacas Brancas Preguiçosas, de Asaph Luccas; o maravilhoso Zagêro, de Victor di Marco, que pude assistir novamente após mais de um ano (ele só melhora); o dramático e carnavalesco Carne Fresca, de Guilherme Tostes; e o erótico e elegante Apenas Coisas Boas, de Daniel Nolasco, que após Vento Seco me surpreendeu mais uma vez com sua estética marcante e disruptiva. E, claro, muitos outros.
E como não falar das incríveis Deydianne Piaf, atriz, drag queen e apresentadora, e Amandyra, atriz e apresentadora, responsáveis por apresentar o evento todas as noites, nos alegrando com seus carismas e animação. Ainda sinto minha mandíbula doer de tanto rir com as piadas da Deydianne. Por mais festivais apresentados por drag queens — essa é demanda! (risos)
Sobre o festival, Amandyra contou que “foi incrível estrear como apresentadora no For Rainbow. São 19 anos de história, classe e elegância, em uma programação que reuniu feirinha, curtas, longas e a premiação.” Deydianne Piaf reforçou: “Num país em que tantos festivais enfrentam dificuldades para existir, ver o For Rainbow resistir há quase 20 anos me enche de orgulho. É um festival sério, mas que também nos deixa loucas de alegria.”
E nada melhor, em um evento cultural, do que o fomento à formação, em prol de trazer cada vez mais pessoas para perto das artes e do conhecimento. O 19º For Rainbow ofereceu muitas ferramentas ao público através de oficinas como a de Maquiagem para Cinema, ministrada por Bel Reis; a Oficina de Cultura Ballroom, conduzida por Dominik Ytalo e Bev Feitosa — pessoas com as quais pude ter ótimas trocas e aprender mais sobre a cultura ballroom e sua importância no Brasil; e a oficina Pioneiras do Cinema Negro: Uma Linha do Tempo do Continente Africano às Diásporas, da fantástica Elaine do Carmo, um recorte essencial para conhecer mais sobre um cinema não hegemônico, entre outras.
Como uma boa leonina com ascendente em sagitário que sou, não dispenso uma festa. E, todos os dias, as noites foram embaladas por muita música em shows e DJ sets impecáveis. Amei conhecer o trabalho da cantora Camaleoa com o show No Ceará Tem Pop, responsável por encerrar o evento. Sem falar na abertura, com o espetáculo Estranho Seria se Eu Não Me Apaixonasse por Você, com Helô Sales, Mona Gadelha, Luiza Nobel, Vanessa Cantora e Carú Lina, cantando o melhor das cantoras lésbicas da música brasileira. Chique demais ouvir “Você me abre seus braços e a gente faz um país”, de Fullgás da Marina Lima, seguido por um sonoro “sem anistiaaaa!”.
Mas nada estremeceu mais aquele palco do que a gigante Verónica Valenttino com o show Travessia. Que mulher, que presença, que potência! Verónica é uma rockstar brasileira: atriz, cantora, fashion icon e uma mulher com um coração enorme. Tive a honra de ter uma troca muito especial com ela, ouvir suas histórias, contar as minhas e florescer uma irmandade travesti instantânea.
“Este festival transforma vidas a partir do afeto, da troca e do amor. Ele me legitima como artista, como travesti e como cearense. O For Rainbow me deixa transbordante de poesia”, disse Valenttino.
Falando no poder dos encontros, essa cobertura e experiência não seriam as mesmas sem pessoas como a própria Verónica, Júlia Klein, Alice Chiappetta, Cibele Appes, Cecília Góis, Fellipy Sizernando, Dáry Bezerra, Labelle Rainbow, Bruno Costa, Daniel de Paula, e tantas outras com quem tive uma conexão tão especial durante esses dias. Pessoas que o audiovisual traz e que permanecem em um lugar especial no coração.

“O For Rainbow é uma trincheira de lutas da nossa comunidade LGBT, um espaço que aglutina resistências coletivas. Esta 19ª edição, realizada no Agosto Lilás e encerrada no Dia da Visibilidade Lésbica, foi muito especial — um prenúncio dos 20 anos de resistência e transformação que o festival completa em breve”, resumiu Labelle Rainbow, ativista e figura histórica do festival.
Dáry Bezerra, ativista e assistente de direção do festival, complementou: “O For Rainbow é vida, resistência e revolução. É um espaço de encontro que nos dá esperança e vontade de seguir vivas, apesar das violências que enfrentamos todos os dias.”
E, claro, não posso deixar de citar as meninas da Sinny Comunicação, como Priscila Santos e Paula Ferraz, que mediaram minha presença e da Cine Ninja neste evento tão especial, sempre com muito carinho, respeito e excelência profissional.
Obrigada, For Rainbow. Que a trajetória desse festival seja longa. Ano que vem serão 20 anos de celebração e militância pela diversidade. Estamos juntas, juntes e juntos. Vida longa!