Foto: Mídia Ninja

Estamos sob intervenção. Sem planejamento, sem planos, sem dados, sem avaliação das políticas anteriores, é uma intervenção do acaso.

Trata-se de um golpe de sorte ou azar, em que a população mais pobre tende a ser a mais prejudicada pelos jogos obscuros da política nacional e local, de quem já são vítimas diárias.

Não é uma política pública consistentemente construída, mas a entrega da nossas vidas, das vidas de cada cidadã e cidadão do Rio de Janeiro, à sanha de espetáculos midiáticos que, até agora, não mostraram nenhum resultado efetivo na sequência de operações já realizadas nas diferentes comunidades.

A incompetência de gestão, federal, estadual e municipal, serve agora como pretexto para também forjar uma jogada eleitoral, em que Temer e seus aliados tentam a todo custo, com aprovação popular próxima de zero, manter seu grupo no poder para seguir a marcha de retirada de direitos dos cidadãos comuns, enquanto perdoa dívidas, presenteia desonerações,entrega as nossas riquezas para países corporações estrangeiras, agrada o mercado financeiro. Poucos dias após decretar a intervenção, já se apresenta o nome do Ministro da Defesa do Governo Temer como potencial candidato ao governo do Estado.

Não podemos aceitar que brinquem com a vida das pessoas. A sensação de insegurança no Rio de Janeiro, e em vários outros estados e cidades do nosso país, é real. Resultam, de um lado, do agravamento das condições sociais no nosso país, num momento em que se reduzem políticas sociais e se precarizam relações de trabalho. De outro lado, são expressões do fracasso das políticas de segurança, da guerra desenfreada às drogas e de um sistema penitenciário falido.

Se o dito crime organizado deve ser reprimido, isso deve ser feito com inteligência e cooperação entre as forças de segurança, acompanhado de um sistema de controle e transparência na gestão.

Integração entre os entes federados, com o Governo Federal cumprindo sua missão no monitoramento das fronteiras. Não é o espetáculo de forças armadas nas ruas, sobe e desce dos morros, que vai garantir a segurança no médio prazo. O sistema prisional deve punir, mas também recuperar. Não se vê uma linha sobre o fracasso das políticas de ressocialização dos presos, dos milhões gastos em políticas fracassadas. Não se discute com seriedade a possibilidade de discriminalização das drogas, com a regulação por parte do Estado, da venda da maconha, por exemplo. O nosso vizinho uruguai fez isso, e tem conseguido resultados expressivos na sua política de segurança.

A violência generalizada atinge a todos, em várias escalas. A nossa mãe terra, sufocada pelo agrotóxico. Nossos rios, pela lama da mineração, e florestas, pelas chamas criminosas da pecuária extensiva que deixa para trás imensas áreas improdutivas. Todos nós precisamos dos recursos naturais que a mãe terra nos oferece para o bem viver nos campos e nas cidades. Perdemos muitos parentes indígenas, de norte a sul do país, na tentativa de nos defender dessa violência. Muitas vezes, partindo do próprio Estado, como acaba de acontecer no Rio Grande do Sul, onde, em uma ação ilegal, a Brigada Militar espancou parentes numa desocupação forçada sem qualquer respaldo judicial.

Mas, ainda assim, a violência tem seu foco preferencial. São os jovens pretos da periferia as suas vítimas mais frequentes. E quais as políticas públicas que estão sendo executadas para salvar essas vidas? Que alternativas se apresentam para quem tem a maioria das portas fechadas pelo preconceito que torna exíguas as oportunidades para o desenvolvimento pleno dessas pessoas que são, todos os dias, impedidas de exercerem seus de direitos essenciais? São fundamentais políticas integradas para valorização da vida de todas as mulheres e homens, crianças, jovens, e idosos, em qualquer território.

Não podemos aceitar naturalizar as milhares de mortes violentas que ocorrem todos os anos nessa guerra às drogas, seja de policiais, seja de cidadãos. Nosso povo vem sendo dizimado há mais de 500 anos, silenciado, mas nós não nos cansamos de nos colocar em pé. É ainda mais desafiador quando nos são impostas políticas sem qualquer embasamento real, mas alicerçados em pré-conceitos e cálculos políticos. Isso amplifica o risco democrático. O próximo passo será alastrar essa intervenção para outros estados, cuja situação fiscal e de segurança não são tão diferentes da do Rio de Janeiro?

Os povos indígenas estão sob intervenção há mais de 500 anos. Agora foi a vez do Rio de Janeiro. Que não tenhamos próximos estados, e sim respeito, responsabilidade e sentimento de justiça para devolver às populações sua autonomia democrática. Lutaremos por isso todos os dias, intensificando a luta que travamos já há centenas de anos, sem a atenção da mídia e da maior parte da política tradicional. Uma luta por respeito a todas as brasileiras e brasileiros, a todas e todos os parentes e parentas indígenas, a todas as cidadãs e cidadãos fluminenses e cariocas. Uma luta que passa pela construção de políticas públicas sérias, reais, e não artifícios e joguetes.

Não devemos aceitar nada menos que isso.

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