Por André Richter, da Agência Brasil

A Advocacia-Geral da União (AGU) enviou nesta quarta-feira (19) ao Supremo Tribunal Federal (STF) parecer pela inconstitucionalidade da resolução aprovada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) para proibir a realização da chamada assistolia fetal para interrupção de gravidez. O procedimento é usado pela medicina nos casos de abortos previstos em lei, como o caso de estupro.

A manifestação faz parte da ação na qual o PSOL questiona a validade da norma do CFM, que foi suspensa no mês passado pelo ministro Alexandre de Moraes. O próximo passo é o julgamento definitivo pelo plenário.

O ministro considerou que houve “abuso do poder regulamentar” do CFM ao fixar regra não prevista em lei para impedir a realização de assistolia fetal em casos de gravidez oriunda de estupro.

Para a AGU, o conselho não tem atribuição legal para restringir as normas legais sobre aborto.

“A resolução CFM nº 2.378/2024 pretendeu, ainda que disfarçadamente, alterar a disciplina legal sobre a questão do aborto. Todavia, uma limitação como a posta pela resolução CFM nº 2.378/2024 somente seria possível por meio de lei formal. E essa é uma atribuição do Congresso Nacional, nunca de um conselho profissional”, argumentou a AGU.

O órgão também ressaltou que a Constituição determina a proteção de grupos vulneráveis contra toda forma de violência.

‘Registre-se que a proibição prevista pela resolução em exame impacta de forma significativa grupos vulneráveis, como crianças e adolescentes e mulheres pobres e pretas, desconsiderando as dificuldades que elas têm para acessar o procedimento, o que, muitas vezes, gera a necessidade de interrupção de gestações em estágios mais avançados”, completou.

Mais cedo, Alexandre de Moraes deu prazo de 48 horas para cinco hospitais de São Paulo comprovarem o cumprimento da decisão que liberou a realização da assistolia fetal para interrupção de gravidez.

Após deixar uma reunião com o ministro, o presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), José Hiran da Silva Gallo, disse que a assistolia fetal é uma “crueldade” como método de interrupção da gravidez. Ele sugeriu que a indução do parto após 22 semanas de gestação pode ser utilizada para substituir o procedimento.

Representante do Conselho Federal de Serviço Social, Maria Elisa Braga disse que há graves denúncias relacionadas ao trabalho de profissionais de saúde que atendem mulheres e meninas vítimas de estupro e que buscam o aborto legal. “Temos que tomar muito cuidado. Profissionais de área de saúde estão sendo perseguidos, ameaçados”, criticou.

Especialistas

A ginecologista Brunely Galvão confirma os cenários expostos por Jolúzia e por Maria Elisa – tanto a demanda por abortos legais tardias por parte de meninas menores de idade e vítimas de violência quanto as dificuldades de profissionais de saúde em equilibrar o cumprimento da lei e a norma definida pelo CFM.

“Essas meninas precisam desse procedimento [da assistolia fetal] para acessar o aborto legal. Grande parte das que chegam na unidade de saúde está em gestação avançada – seja pelo próprio estigma da vergonha, por medo dos pais ou de não ser levada a sério. Tem que existir esse procedimento.”

“Esse procedimento é fundamental. A resolução atrapalha o nosso dia a dia, o nosso cotidiano. Quando a gente não consegue oferecer a assistolia fetal, temos que encaminhar a paciente para outro país, geralmente Argentina ou Colômbia. A maioria não tem grana porque a maioria são meninas pobres, periféricas, negras, de zona rural. Aí, temos que recorrer à uma ONG [organização não governamental] ou outras parcerias.”