Criminalização do protesto, direitos limitados, terrorismo de Estado. Essas são algumas das frases que mais ressoaram nas ruas argentinas nos últimos dias. A expressão “presos políticos” voltou a circular nos meios de comunicação, embora não com a força que deveria. É necessário que todos saibam disso: neste momento, na Argentina, há 16 pessoas detidas ilegalmente por se manifestarem.

Voltemos à quarta-feira passada (12): no Senado Nacional, foi votada a Lei de Bases, um pacote de ajustes proposto por Javier Milei. Milhares de pessoas se reuniram em frente ao Congresso Nacional para protestar contra o projeto. À tarde, a repressão começou ao melhor estilo Patricia Bullrich (Ministra da Segurança), com gás lacrimogêneo, cassetetes e canhões de água, em uma operação brutal, que se tornou frequente desde que Milei assumiu a presidência. Desta vez, a repressão foi ainda mais violenta e resultou na prisão de 35 manifestantes, incluindo professores, vendedores ambulantes, artistas, músicos e estudantes. Entre os detidos, estavam um pai, sua filha e sua neta, que vendiam comida para complementar a renda. “Terroristas!”, “Comunistas!” foram os motivos alegados para as prisões, enquanto infiltrados causadores de tumultos escapavam impunes.

A lista de detidos começou a circular e as imagens da repressão foram repetidas em loop, evocando os dias sombrios da Ditadura Militar na Argentina. Foram horas de tensão e incerteza. Um acampamento foi organizado nos Tribunais, e, graças à pressão popular, 17 deles foram libertados após 48 horas. No entanto, os restantes permanecem presos.

Como Prosseguem as Acusações?

Na segunda-feira (17), foi realizada uma coletiva de imprensa com os familiares dos manifestantes detidos. Eles destacaram que, mesmo os que foram libertados por falta de provas ainda enfrentam processos judiciais.

Um dos participantes ressaltou que o discurso do governo, que classificou as manifestações como uma tentativa de golpe de Estado perpetrada por terroristas, foi transferido para o sistema judicial, uma situação que considerou extremamente grave. Ele pediu esforços para divulgar o que está acontecendo e para reunir vídeos e depoimentos que comprovem que as prisões foram injustas.

Foto: Somos Telam Credit: Abuelas de Plaza de Mayo

“Há evidências claras de que nossos familiares não são terroristas, e isso nos tranquiliza de certa forma, mas o que estamos passando é horrível, pois entendemos que a Constituição e os direitos de nossos familiares estão sendo ignorados. O que está acontecendo agora cria um precedente perigoso em termos de direitos humanos”, disse o participante dos protestos. Ele enfatizou que os vídeos disponíveis são a única prova para contestar esse discurso oficial e alertou que pessoas inocentes estão sendo criminalizadas.

O promotor do caso, Carlos Stornelli, solicitou nesta segunda-feira que 14 das 17 pessoas que foram libertadas por falta de provas pela juíza María Servini sejam novamente presas. Os outros três libertados eram vendedores ambulantes.

A maioria dos ainda detidos é acusada de lançar projéteis durante a manifestação em torno do Congresso, embora não tenham sido apresentadas provas concretas. Em consonância com a posição do governo, o promotor acusou-os de agredir a democracia e pediu que permanecessem presos até o fim do processo, temendo que pudessem fugir ou interferir na investigação.

Stornelli os acusa de uma série de crimes, que vão desde “lesões corporais” e “danos materiais” até “incitação à violência coletiva contra instituições” e “organização ou participação em grupos que visam impor suas ideias ou combater as de outros pela força ou medo” e “crimes contra o Poder Público e a ordem constitucional”.

Em diálogo com Midia Ninja, Lúcia Adano, irmã de Santiago, um dos detentos ilegais, narra sua situação judicial: “O caso do meu irmão Santiago, como o de todos os detidos, permanece aberto. E as acusações do Stornelli são gravíssimas, temos os vídeos como prova, a prisão do Santiago está toda filmada. Hoje descobrimos que Santiago está nessa lista de pedidos de prisão, o que nos parece uma loucura. São tachados de terroristas e por cometerem crimes que não cometeram. Isto é muito perigoso, marca um antes e um depois em termos de direitos humanos na Argentina. Até o momento, não recebemos nenhuma notificação. Só esperamos que isso não piore, porque seria embaraçoso. Stornelli tem 10 dias para definir sua decisão judicial e depois veremos o que acontece”.

Para Lúcia, isso é apenas o começo: “Meu irmão estava numa prisão comum, com outros presos. Teve que se adaptar aos códigos prisionais, com medo, com incerteza. Não podemos acreditar que estamos passando por isso. É por isso que pedimos que o assunto seja divulgado internacionalmente e que aqueles que tenham provas de detenções ilegais, vídeos, fotos, os enviem para organizações de direitos humanos”.

É por isso que Lúcia agradece as redes de apoio e a força: “Santiago é músico, seu ativismo se faz através da arte. Mas o caso dele e de todos os detentos só mostrou as redes, o amor, a construção coletiva. Não vamos parar até que Santiago seja absolvido, como acontece com todas as pessoas detidas ilegalmente”.

Foto: Laura Dalto – Emergentes Medio Credit: Laura Dalto

Mobilização e campanha internacional

Nesta terça-feira (18), às 16h30, será realizada uma teleconferência na Praça de Maio para dar continuidade ao plano de luta dos familiares e amigos dos detidos. A mobilização inclui um apelo para a divulgação massiva do que está acontecendo em termos de direitos humanos na Argentina.

A própria Estela de Carlotto, presidente das Avós da Plaza de Mayo, expressou sua indignação: “Eu não consigo superar isso. Parece um filme de ficção que estamos assistindo. Temos que parar com isso e temos que agir decisivamente. Para que servem os deputados e senadores? Para defender a liberdade do seu povo”.