Quilombolas são mantidos em cárcere privado por supostos policiais na Bahia
Homens armados invadiram casa e mantiveram dois quilombolas em cárcere privado por duas horas na comunidade quilombola Fazenda Grande em Muquém do São Francisco no Oeste Baiano
por Bahia Ciranda
Hoje à tarde, quinta-feira 21 de março de 2018, três homens fortemente armados invadiram a comunidade quilombola Fazenda Grande, em Muquém do São Francisco no Oeste Baiano. Eles chegaram numa caminhonete branca L200, placa PKC 8612 de Barreiras. Na presença de crianças e idosos, invadiram a residência do casal Manoel Claudio Moreira Araújo, apelidado “Du Galego”, e Maria Fernandes Pinto. O filho do casal, de 12 anos, não se encontrava.
De forma ameaçadora, os três homens se identificaram como policiais. Dois apresentaram distintivos da polícia civil e um não. Os policiais ordenaram que o casal ficasse sentado na sala. Informaram que haviam recebido denúncia de drogas no local e, sem apresentar mandato judicial, iniciaram a busca por drogas.
Reviraram todos os cômodos e não encontraram nenhuma droga. Nos fundos da casa estava desmontada uma espingarda de caça antiga de um parente, dentro de um saco. Ao acharem o saco, um dos policiais se dirigiu à sala de estar onde Manuel Claudio estava sentado. O policial perguntou sobre a arma e, segundo Manuel, “meteu a mão na sua cara”, agredindo-o no lado esquerdo do rosto e em seguida tentou sufoca-lo.
O líder comunitário e presidente da Associação dos Trabalhadores e Pescadores Rurais Quilombola de Fazenda Grande, Pedro Rodrigues de Oliveira, 49 anos, concunhado de Manoel, foi avisado da situação e rapidamente se dirigiu à casa dos parentes. Ao chegar, bateu na porta e tentou entrar, perguntando aos invasores sobre o que se tratava. Os policiais informaram que “era uma abordagem policial”. Ao serem questionados se tinham mandato judicial para realizar a invasão, os homens disseram que “não, não interessava, que era uma abordagem policial e tudo bem”.
Em seguida, os policiais fecharam a porta da residência, com os moradores dentro e continuaram revirando a casa, intimidando e continuando a dizer que eles eram “vendedores de droga”. Foram duas horas de cárcere privado e muita tensão. No final os policiais foram embora, levando a velha espingarda desmontada. Pedro Oliveira ficou aguardando no lado externo da casa, junto com outros moradores. O casal, ameaçado, encontra-se bastante abalado.
A Comunidade Quilombola Fazenda Grande foi certificada pela Fundação Palmares. Atualmente se encontra em fase adiantada do processo de demarcação e titulação do território tradicional, que fica nas margens do rio São Francisco. Todo o seu processo antropológico está realizado.
Pedro Rodrigues de Oliveira e Manuel Claudio Moreira Araújo são parte da diretoria da Associação e têm liderado a resistência e luta pelos direitos à terra da comunidade. A prática de intimidação ocorre com frequência. As ameaças às famílias da comunidade quilombola Fazenda Grande em Muquém do São Francisco – BA têm sido feitas pelo fazendeiro José Vicente Torres Homem Neto, proprietário das Fazendas Senhor do Bonfim e Nossa Senhora da Guia, e por um de seus gerentes José Valdo Batista dos Santos. Este último realiza constantes rondas acompanhado por homens armados dentro da comunidade. As ameaças estão relacionadas ao andamento do processo de demarcação, que está judicializado com liminar da justiça federal em favor da comunidade quilombola.
A associação de Advogados dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (AATR) destaca o reconhecimento da Comunidade Quilombola Fazenda Grande pela Fundação Cultural Palmares, ressaltando que “como tal, possui direitos consagrados na Constituição Federal, bem como em diplomas normativos nacionais e internacionais”. E complementa afirmando que “não permitiremos que o arbítrio dos poderes do Estado, seja ele qual for, ou de milicianos locais ajam com ilegalidade ou abuso sobre a comunidade. As comunidades quilombolas resistem e nós apoiamos a sua luta justa e ancestral”.
A Comunidade Quilombola Fazenda Grande foi certificada pela Fundação Palmares. Atualmente se encontra em fase adiantada do processo de demarcação e titulação do território tradicional, que fica nas margens do rio São Francisco. Todo o seu processo antropológico está realizado.