Na quarta edição, evento reúne empreendedores, economia solidária, arte e cultura no Campo Limpo, periferia de São Paulo

Texto: Laio Rocha / Mídia NINJA

Foto: Luiz Guilherme Santos

“Essa é a celebração de um trabalho que acontece dia a dia, nós por nós”, disse o expositor, poeta e escultor Gilmar Casulo, no Festival Percurso, no domingo 09/07. Em sua quarta edição, o evento aconteceu na Praça do Campo Limpo, periferia da zona sul da capital paulista, e representa o pujante movimento cultural da região.

O festival contou com shows dos grupos Sandália de Prata, Akins Kinte e do rapper Mano Brown, com participação especial de Seu Jorge. A produção foi da Agência Solano Trindade.

Akins Kinte é poeta da Zona Norte de São Paulo. Foto: Luiz Guilherme Santos

A principal bandeira do Percurso é a economia solidária, na qual são repensadas questões de empreendedorismo, economia familiar, consumo sustentável e produção artesanal.

Neste ano, cerca de 100 barracas participaram, com diversos produtos, como roupas, calçados, bijuterias, artes

Casal produz bonecas com garrafas, isopor e tecido. Foto: Laio Rocha / Mídia NINJA

anato e alimentação, com doces, salgados, lanches e comidas típicas.“Há um ano faço a produção dessas bonecas. Tudo começou por brincadeira, após vermos modelos parecidos na [rua] 25 de março. Produzimos os primeiros 3 meses apenas para amigos, e depois enxergamos a possibilidade de comercializar”, conta a educadora Maria Augusta. “Só hoje já vendi 14 bonecos e mais cinco pessoas encomendaram!”, comemora a empreendedora.

 

Assim como Maria, a maioria dos expositores usam o empreendimento para gerar renda extra no orçamento doméstico, muitas vezes diante de situações como o desemprego e nascimento de filhos, por exemplo.

Esse é o caso de Geovana Pacheco, de 17 anos. Participando pela primeira vez de uma feira voltada para economia solidária, ela começou a vender seus doces há cinco meses, porque estava desempregada e grávida. Seus principais pontos de venda são a faculdade, festas e escolas. Além disso, utiliza as redes sociais para divulgação.

Por outro lado, alguns trabalham através da sua militância política para gerar renda e autonomia, como Osmar, da banca ‘Cadernos Negros’. Ele vende apenas livros voltados para o Movimento Negro, como o título ‘A história dos negros na cidade de São Paulo’, e ‘Escrevivências’, da escritora Conceição Evaristo.

“O nosso objetivo é dar visibilidade para os empreendedores da periferia, como um grande festival que reuna diferentes trabalhos, e para isso produzimos os shows para atrair o público”, explica o grafiteiro Gamão, do Raxakuka Produções, empresa que atua na organização do festival.

Tenda de livros é focada em literatura sobre população negra. Foto: Laio Rocha / Mídia NINJA

Apesar disso, diante dos cortes de orçamento realizado pela Prefeitura de São Paulo, o Percurso sofreu baixas de financiamento e disponibilidade de barracas, ações que a prefeitura regional do Campo Limpo promoveu nas últimas edições.

“Felizmente, a nossa credibilidade é grande, conseguimos através de muita raça e dificuldades as parcerias necessárias”, pontua Gamão.

Entre as parcerias, ficou em destaque a realizada com uma empresa de alimentos, que doou parte das carnes utilizadas pela barraca principal de alimentação. Nela foi comercializado o tradicional lanche da agência Solano Trindade, o Estraga-Churrasco. O valor é revertido para financiar as despesas da festa.

Grafiteiro Gamão é referência no bairro e um dos organizadores do Festival Percurso. Foto: Laio Rocha / Mídia NINJA

O impacto no bairro se dá de diversas formas. Essa edição contou com uma identidade visual que valorizou personagens conhecidos da região, registrando seus rostos nos muros da Escola Municipal Leonardo Villas Boas. “É muito legal para as pessoas se verem ou seus conhecidos nas paredes”, reforça Gamão, autor dos desenhos.

“Esse é o 2º ano que exponho as minhas obras aqui, e me sinto muito bem, esse Festival tem tudo a ver como o meu trabalho, que é urbano”, afirma o artista Casulo. “As pessoas que organizam aqui tem uma trajetória de trabalho conjunto de muitos anos, e sempre estão se encontrando em eventos culturais como o sarau do Binho e da Cooperifa”, relata o poeta.

A série de esculturas de Casulo chamada “Antropofagia Periférica” é feita de sucatas de ferro, e compôs as atividades culturais do festival, que contou também com samba e a batalha de rap TSP, Taboão Só Progresso, em referência à cidade metropolita Taboão da Serra, que tem sua divisa a poucos metros da Praça do Campo Limpo.

Batalha de Rap e apresentação de samba marcou a agenda cultural do Festival. Foto: Laio Rocha / Mídia NINJA

A batalha foi encerrada no palco principal do Festival Percurso, colocando frente a frente no “duelo de sangue” os rappers Moita MC e JF.

“Aqui as pessoas da periferia têm oportunidade de consumir produtos feitos por pessoas da sua comunidade, e olhar olho no olho e dizer, tamo junto, porra! É uma desobediência à mídia e uma soma incrível no coletivo”, analisou Casulo.

Foto: Luiz Guilherme Santos