Festival de Cultura Guarani luta por demarcação de terras em SP
O evento aconteceu nos dias 14 e 15 de abril e busca, através da ocupação cultural e artística, a conscientização de moradores do entorno do parque e o reconhecimento da originalidade das Terras Guarani.
Festa reuniu grandes nomes da música chamando atenção para luta indígena na capital
Texto: Luca Meola e Laio Rocha
“Tenho fé que esse parque um dia será do povo Guarani”. A afirmação, da indígena Maria, abriu a roda de debates sobre a situação da demarcação de terras Guaranis no Parque do Jaraguá, em São Paulo, e sintetiza a atual situação da etnia.
O evento aconteceu nos dias 14 e 15 de abril e busca, através da ocupação cultural e artística, a conscientização de moradores do entorno do parque, do público frequentador e de apaixonados pelas atrações artísticas na programação, a se familiarizarem e reconhecerem a originalidade das Terras Guarani da região.
O festival contou com a participação nomes renomados da música brasileira, como Z’África Brasil, DJ KL JAY, Curumin e RZO, e atrações voltadas para o fortalecimento e manutenção das culturas afro e indígena, como grupo Guarani Sabuká Kariri-Xocó, o coral das crianças da aldeia Pyau, Grupo Guerreiros de Senzala e Dinho Nascimento e Orquestra de Berimbaus do Morro do Querosene.
Demarcação já!
O Povo Guarani M’bya há muitos anos vem lutando pela demarcação de suas terras, neste caso específico a Terra Indígena [T.I.] Jaraguá. Em maio de 2015, o então ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo assinou uma portaria que declarava a área ocupada pelos Guaranis, no Jaraguá, como Terra Indígena, uma área de 532 hectares de terras de ocupação tradicional do povo Guarani M’bya.
Em 2017, enquanto os Guarani aguardavam, desde a publicação da portaria, a homologação dessas terras pelo Presidente da República, eis que foram surpreendidos com uma nova portaria, do atual Ministro da Justiça, Torquato Jardim, anulando a portaria anterior, fundamentando pela primeira vez na história da constituição brasileira, uma revogação de portaria de demarcação de Terra Indígena, através de uma nova Portaria Declaratória de nº 683.
“Desde então estamos na luta para conseguir reverter este processo, agora em 2018, a Justiça Federal de São Paulo suspendeu a portaria 683 por uma decisão liminar, isso foi uma vitória pra nós da T.I. Jaraguá.”, disse David Karai Popygua, liderança da TI Jaraguá.
Um agravo de instrumento foi interposto pelo Ministério Público do Estado de São Paulo no processo da TI Jaraguá, colocando, mais uma vez, em estado de alerta a luta pela originalidade dessas terras.
Em meio a mais esta dificuldade que a comunidade indígena do Jaraguá vem sofrendo, o festival é um pedido de atenção da população para o Povo Guarani M’Bya e pela proteção das matas, rios e animais da região. Além disso, é um pedido de socorro pela dignidade de um povo que vive em luta pela preservação da sua cultura e modo de vida tradicional.
“O Festival é para que as pessoas venham e possam somar junto com a gente, a comunidade necessita que hoje a gente some forças, entre parceiros, comunidade negra, rappers, músicos, ativistas e todos que queiram se unir a nós em prol de um bem viver, com dignidade, sanidade e justiça”, afirmou Sônia Barbosa, liderança da TI Jaraguá.
Como está a situação dos Guarani M’bya?
Esse foi o tema da roda que abriu o segundo dia de festival, composta por representantes de três das maiores entidades indígenas do país, o CIMI (Conselho Indigenista Missionário), o CTI (Centro de Trabalho Indigenista) e a Comissão Guarani Yvyrupa.
A pesquisadora Tatiane Klein, pesquisadora do CESTA-USP, abriu o debate fazendo uma reflexão sobre o questionamento dos “inimigos” dos povos originários, em que se afirma haver muito território demarcado.
“Atualmente existem 714 terras demarcados no Brasil, sendo que mais de 500 delas estão localizadas na chamada Amazônia Legal. Por isso, quando afirmam que existem muitas terras demarcadas, eles estão fazendo uma distorção dos números, porque a maioria das terras indígenas fora da Amazônia estão descobertas”, afirmou a pesquisadora.
Os povos indígenas fora da Amazônia legal, nesse sentido, estão sob risco constante de grileiros, ruralistas e coronéis, realidade que interfere diretamente na manutenção da sua cultura, hábitos e condições sociais.
“Os Guarani M’bya são um exemplo claro de algo que acontece em todo o país. Apesar de estar em um território declarado indígena, vivem em uma pequena porção de terra, sem estrutura. Isso acontece em diversos estados, como Bahia, Paraná, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, entre outros”, explica Klein.
“A soja do Mato Grosso do Sul tem o sangue do povo Guarani. O agro é morte”, diz Aleandro da Silva, representante da regional sul do CIMI.
Os retrocessos nas políticas indigenistas protagonizadas pelo governo de Michel Temer, os “malabarismos” judiciários executados pelo STF e as constantes ameaças representadas pelo poder da bancada ruralista no legislativo, são mostras do quanto os povos originários estão ameaçados neste momento.
“Neste período, os ataques vêm de todos os lados. Nós temos uma dívida ética com os povos indígenas, a partir de uma dívida histórica”, pontuou Aleandro.
O judiciário deu um passo ao lado dos ruralistas ao, em 2017, assumir um novo entendimento sobre a ocupação das TIs, em que determinou o chamado “marco temporal” para a demarcação.
“A partir desse entendimento, se vedou a ampliação de terras indígenas já demarcadas”, conta a advogada representante da Comissão Guarani Yvyrupa, Júlia Navarra.
Para ela, há uma intensa judicialização contra as demarcações de terra, processo que está provocando não somente a paralisação, mas consequentemente retrocessos nas terras já conquistadas pelos povos indígenas.
“Foi através dessa decisão do STF que o Estado de São Paulo entrou com um processo de reintegração de posse da TI Guarani M’bya do Jaraguá em 2017, situação que foi revertida graças à uma liminar. No entanto, o risco ainda é grande”, assinalou a advogada.
“Para o estado de São Paulo, essa terra não pode ser dos Guarani porque é uma área de proteção ambiental e os indígenas representam perigo para o meio ambiente”, relata Daniel Pierre, do CTI. “É uma hipocrisia sem tamanho o estado, que vem destruindo o meio ambiente há séculos, acusar quem sempre cuidou da mata de representar um perigo”.
Diante desse cenário, somente a mobilização indígena e popular pode reverter a situação. Por isso, o festival é fundamental para que os Guarani possam assegurar a posse das suas terras e continuar lutando pela demarcação.