Foto: Araquém Alcântara

O Brasil vive um momento crítico com relação às políticas ambientais: desmonte nos órgãos de fiscalização e acompanhamento do desmatamento, grandes queimadas, um ministério que não contribui para o combate aos problemas, perdeu fundos internacionais importantes para manutenção de programas e que está aliado a interesses da bancada ruralista. O mundo inteiro está com os olhos voltados para essa situação, que a cada dia se torna mais assustadora. Atos em defesa da Amazônia estão sendo organizados e uma grande mobilização pela saída do ministro Ricardo Salles da pasta está se formando, com um pedido de impeachment protocolado nesta quinta-feira, 22 de agosto, pelos senadores Randolfe Rodrigues e Fabiano Contarato e pela deputada federal Joênia Wapichana no Supremo Tribunal Federal.

Conversamos com Letícia Turra, da ONG FASE – Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional, que nos contou um pouco sobre o histórico do desmatamento na Amazônia, das políticas que foram construídas em formação, capacitação das populações e de órgãos de fiscalização para cuidarem da floresta, dos investimentos nacionais e internacionais realizados e que estão ruindo atualmente.

Além de compor a diretora executiva da Fase, Letícia também integra o núcleo executivo da ANA – Articulação Nacional de Agroecologia, o grupo Carta de Belém que acompanha a questão climática e é membro da CONAREDD+, uma comissão de governança nacional de um mecanismo internacional para a prevenção do desmatamento e degradação, conforme previsto na Convenção do Clima. A Fase é uma entidade fundada em 1961, portanto tem mais de 57 anos, com seis programas regionais, atuando com projetos de agroecologia, fortalecimento de populações tradicionais e camponesas, defesa de direitos e justiça ambiental, além de construção de política públicas e articulação de sujeitos.

Letícia relaciona o aumento da devastação com o aumento da violência no campo e na floresta e a perseguição aos povos tradicionais com a atividade agrícola. Confira:

“Acho que uma das primeiras coisas a se colocar é que o desmatamento na Amazônia começa a crescer desde os anos 70, a partir da abertura de estradas na Amazônia e também das ondas de migração. E que isso levou então à abertura de áreas, ao longo das rodovias para atividade agrícola, fundamentalmente a atividade pecuária.

A partir do final dos anos 90 até início dos anos 2000 acontece um pico muito grande do desmatamento na Amazônia, e não era somente ao entorno das rodovias, chegando às áreas mais remotas da Amazônia, e com cada vez com mais tecnologia.

Imagens de satélites, as possibilidades também de locomoção, de comunicação, foram permitindo que o desmatamento fosse chegando cada vez mais a áreas remotas, que não se chegava em outros períodos, ameaçando unidades de conservação.

Um ponto a se destacar é que junto com o desmatamento chega também aumenta a violência no campo. Se pegarmos os dados de conflitos de violência da CPT (Comissão da Pastoral da Terra), é possível observar o crescimento da violência e o crescimento do desmatamento. E também nesse período, anos 90 e começo dos 2000, temos o aumento dos conflitos socioambientais na região.

Fizemos uma campanha através do Fórum da Amazônia Oriental ‘Na floresta tem direitos. Justiça ambiental na Amazônia’, porque queríamos mostrar que uma das consequências também era o ataque aos direitos dos povos e populações tradicionais, povos indígenas e camponesas da região.

Desde então, se luta na região pela constituição e fortalecimento de políticas públicas de combate ao desmatamento, entendendo antes de tudo que o combate ao desmatamento se faz com o fortalecimento das populações que estão lá no campo, que vivem na floresta, e que vivem da floresta há muito tempo. Foram propostas baseadas na agroecologia e na segurança alimentar, no manejo florestal sustentável, da biodiversidade, da floresta, na construção de circuitos curtos de comercialização, e baseada também em muitas atividades de formação.

Estas lutas resultaram na conquista de ações governamentais de formação e capacitação para combate ao fogo, cursos em lugares de difícil acesso; o fortalecimento das áreas de monitoramento e controle como, por exemplo, o Ibama, o INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e o ICMBio. Esse processo visava não a política de controle, de multa, mas de capacitação, de pensar alternativas para a região.

Em 2004 se constrói um programa, o PPCDAm (Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal), que era o programa de prevenção e controle do desmatamento na Amazônia, que foi construído com a participação de diferentes setores da sociedade civil, buscando fazer um planejamento, articular essa região. Foram abertos muitos, muitos concursos públicos, foi jogado muito recursos para fortalecer isso. E isso trouxe reconhecimento para o Brasil internacionalmente, pelos sistemas de monitoramento, de proposição, por toda sua base científica que está no INPE, que está no INPA (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia).

Toda essa institucionalidade se fortaleceu com diferentes setores da sociedade civil. Não é então uma “coisa de ONG”, é de várias organizações, de diferentes setores, da sociedade amazônica e nacional, e também internacional.

Na era Temer, começa a ter um processo de desconstrução a partir da redução dos gastos públicos. Nem todas as áreas são cortadas da mesma forma, então os cortes vão sendo direcionados para a área ambiental, a área da agricultura familiar, de povos e populações tradicionais. Em contrapartida, você vê os recursos destinados para o agronegócio crescendo, num país que já tem muita desigualdade e programas como o PAA – Programa de Aquisição de Alimentos, o PNAE – Programa Nacional de Alimentação Escolar, PNATER – Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural, sendo cortados.

E nisso diminui a fiscalização. Na região amazônica fiscalizar significa muito investimento. Porque você precisa ter não só uma equipe grande, mas você precisa ter transporte, precisa ter diferentes instrumentos além de toda uma rede da própria população. Ela é a primeira barreira para o desmatamento. Quando essas populações começam a ser ameaçadas, também a floresta começa a ser. Por isso a importância de políticas como o PAA, o PNAE, a PNATER, o PNGATI – Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial em Áreas Indígenas.

No governo Bolsonaro você começa a ter uma destruição da institucionalidade ambiental. O desmonte do Ibama, que teve redução em 70% de suas ações. A perda de secretarias importantes, como a que cuidava do PPCDAm, a desconstrução do ICMBIO, do INPE, de políticas. Se já tínhamos um aumento em 2018, em 2019 é um pulo. E você vê, por exemplo, por outro lado, a redução no ritmo das multas aplicadas. Você tem uma autorização do comando mais alto do país ao desmatamento.

Tem uma questão também, que é mais técnica, que leva a esse crescimento do desmatamento: a floresta Amazônica é bastante sensível, é uma floresta tropical. O desmatamento a deixa mais frágil e as intempéries climáticas começam a fazer com que as árvores sejam mais facilmente derrubadas. E por outro lado, nós temos sempre na região períodos de muita chuva e períodos de seca. E nós estamos exatamente no período de seca. Então o fogo pega muito fácil ali na região. Isso facilita muito as queimadas criminosas.

E lembrando também que há populações que vivem nessa floresta, que tem cidades que vivem no entorno dessa floresta, então nós estamos falando também de vidas.

O impacto não só das grandes cidades, como São Paulo. Mas há também nessas pequenas cidades, que são pouco vistas pela imprensa, e que moram no entorno dessas áreas.

Paralelamente a isso tudo que a gente está vivendo no Brasil, nós estamos também sofrendo com esse ataque ao Fundo Amazônia. Estamos falando de dificuldade do Estado em ter recursos para executar políticas, e o Estado Brasileiro simplesmente abre mão dos recursos do Fundo Amazônia. Em sua maioria, o Fundo era destinado para órgãos governamentais. A menor parte dos recursos ia para ONGs. Uma parte desses recursos ia para o Corpo de Bombeiros.

Estão sendo jogados no lixo mais de 20 anos de investimento do país, recursos de fundos públicos, nacionais e internacionais, para capacitar as pessoas, sistemas de monitoramento, de construção de um marco legal. E tudo isso terá graves consequências para o país.”