Da Igreja à Parada LGBT. Quem era o bloco interreligioso que agitou a Paulista
“Deus não escolhe quem amar”. No país da Marcha para Jesus e do cristofascismo, o bloco Gente de Fé que ocupou a Parada LGBT de SP foi um acalanto para a comunidade LGBT que ainda procura um lugar para processar sua fé.
Por Rachel Daniel / Mídia NINJA
No mesmo país em que o cristofascismo avança de forma devastadora, um grupo de resistência se forma nas comunidades de fé. Dentro de espaços religiosos a palavra resistência já vem de longe para alguns. Historicamente as religiões de matriz africana têm resistido à hegemonia cristã, as pessoas LGBTQI+ têm resistido a sistematicamente seu apagamento em comunidades de fé – cristãs e não cristãs –, mulheres têm lutado por espaços em suas comunidades e todes têm combatido a capitalização das fés.
Em tempos de vertigem política, em que a fé vem sendo usada para justificar um projeto de futuro excludente, o bloco “Gente de Fé” saiu nas ruas da Av. Paulista para a 23ª Parada do Orgulho LGBT. Vale ressaltar que a Igreja da Comunidade Metropolitana, que tem como uma de suas líderes a Pastora Alexya Salvador – primeira pastora trans da América Latina – há alguns anos se mobiliza e participa da Parada do Orgulho LGBTQI+ com seus fiéis. Contudo, pela primeira vez evengélicxs, budistas, católicxs, e candomblecistas se uniram para abrir as portas de seus templos, terreiros e comunidades para todas, todos e todes e formaram um único bloco interreligioso.
“Vimos como uma oportunidade de dar visibilidade para um outro discurso, ao dizer que esses fundamentalistas não têm o direito de tomar pra si uma única narrativa do que é ser religioso, gente de fé” relatou Natália Blanco.
Natália é uma das organizadoras do bloco e representante de Koinonia, que tem como eixo o ecumenismo, superação da intolerância religiosa e a justiça de gênero. Karine Fernandes que compõe o movimento Evangélicxs pela Diversidade e é membro da Igreja Batista do Caminho no RJ pontuou também que a presença na Parada é uma forma de “dar sinal para a comunidade LGBTQI+ e seus apoiadores de que é possível voltar a ter comunhão. São pessoas que muitas vezes desejam professar sua fé, mas não encontram espaços religiosos institucionais para tal”.
O bloco saiu em ato contra a LGBTfobia nos espaços religiosos. “Nós estamos convencidos de que a LGBTfobia é pecado”, relata Edelson Soler do Grupo de Ação Pastoral da Diversidade. Mãe Adriana de Nanã Zeladora do Ilê Axé Omo Nanã complementa: “é papel de todo sacerdote estar disposto a lutar pela garantia dos direitos humanos. Porque é direito humano básico ser reconhecido como se é”.
A recepção do bloco religioso foi bem calorosa entre a comunidade LGBTQI+. Placas com os dizeres “o amor de Deus é para todos”, “O amor acima de tudo, Deus ao lado de todxs”. Alex Souto, reverendo queer da Igreja Metodista Unida, relatou que muitas pessoas fizeram questão de tirar selfies com os membros do bloco. “O momento mais emocionante pra mim foi quando uma pessoa correu ao encontro do nosso bloco e com lágrimas nos olhos fez questão de cumprimentar todos os líderes religiosos”. Ele também pontuou que sua presença e existência dentro da denominação são atos de resistência.
Ainda que regiões como o Candomblé e o Budismo sejam mais abertas e acolhedoras com a comunidade LGBTQI+ do que comunidades cristãs hegemônicas, houve representatividade de seus líderes religiosos. “O candomblé no Brasil nasceu não apenas como um espaço de culto ao nosso sagrado, aos orixás e à nossa ancestralidade. Nasceu também como um espaço de resistência e cuidado do povo preto”, disse Mãe Adriana.
“Nós somos perseguidos desde sempre aqui nesse país, então eu entendo que nada mais justo nós acolhermos também as diferenças porque não é da nossa natureza excluir. Pelo contrário, é da natureza das comunidades tradicionais agregar”. Mãe Adriana ainda pontuou que o bloco interreligioso é também uma mensagem para a sociedade brasileira que têm vivido uma maré de aumento de violência desde as eleições de 2018 – contra LGBTQI+ e na mesma proporção contra as casas de matriz africana.
Jean Tetsuji, que é reverendo budista e líder do movimento Rainbow Shanga tem como lema: “vamos viver a diversidade, não a adversidade”. Relatou que a presença do budismo se fez significativa e destacou: “entendemos ainda a necessidade de unir forças às outras tradições e apoiar o diálogo interreligioso como uma função social nessa pauta.”.
Das pessoas que relataram suas experiências na mobilização foi praticamente unânime a fala sobre o momento político do país e de como é importante a articulação dos movimentos religiosos contra os retrocessos e ataques a grupos de minorias. “Ontem ficou explícito como é fundamental numa chave de quem quer reconstruir a democracia no Brasil achar essas pontes fundamentais entre sujeitos que parecem estar em campos tão diferentes mas quando se olha de perto na verdade estão mais próximos do que imaginam”, disse Sarah de Roure da Christian Aid, uma organização que representa a ação pública de mais de 40 igrejas protestantes no Reino Unido e na Irlanda.
Quando perguntados sobre as perspectivas para a comunidade LGBTQI+ e abertura das religiões para a diversidade pós mobilização do bloco “Gente de Fé”, todos pontuaram sobre a oportunidade de avançar com a pauta e sobre a necessidade de lutar pelo direito dessas pessoas poderem exercer sua fé de forma livre já que muitas estão dentro das comunidades de forma silenciosa, como pontuou Sara. Alex relembrou a fala de Martin Luther King: “ninguém é livre até que todos sejam livres” e Edelson finalizou seu relato dizendo que “não estamos numa cruzada de ódio, mas numa grande frente inspirada e defensora do amor”.
O bloco “Gente de Fé” contou com a presença de Koinonia – Presença Ecumênica, Paróquia da Trindade de tradição anglicana, Evangélicxs pela Diversidade, Grupo de Ação Pastoral da Diversidade de tradição católica, Igreja da Comunidade Metropolitana, Movimentos Rainbow Shanga de tradição Budista, Ilê Axé Omo Nanã e outros movimentos religiosos. Para além do bloco esses movimentos se reuniram durante o final de semana para o 1º Congresso Igrejas e Comunidade LGBTQI+, no centro de São Paulo. Você pode conferir tanto as transmissões do Congresso quanto os relatos dessa matéria na íntegra na página de Facebook de Koinonia – Presença Ecumênica.