Por Karina Vicny

Com grande destaque na Bahia, Lunna Montty carrega uma bagagem de profissões em seu currículo. De DJ a modelo, ela foi a única e primeira brasileira a ser anunciada pela Beyoncé em sua vinda no Brasil, quando seu nome correu como um rio nas redes sociais. Travesti, soteropolitana da periferia de Imbuí, Montty concede entrevista exclusiva para o Planeta FODA.

“Eu sou a minoria comparada a artista Ludmilla… Sei que as pessoas deram muito alvoroço a ela em si, e esqueceram de que o tópico principal do anúncio do trabalho foi para uma travesti preta, sabe?”, relatou.

Dividir o palco com Beyoncé não foi apenas um grande mérito. Lunna carrega uma longa história em um dos estados com maior diversidade cultural do mundo, e o estado mais negro do Brasil. Ela foi a primeira travesti negra a estampar uma campanha de moda em um shopping da capital baiana. Já participou do editorial da Elle Brasil e já foi fotografada por nomes como Mario Testino e Fernando Torquatto. Como modelo, também já desfilou nas passarelas do São Paulo Fashion Week e Afro Fashion Day.

Ao subir no palco após o anúncio de Beyoncé, Lunna fez um desabafo misturado à emoção do momento. “Ela falou o meu nome. Aqui, a maior do mundo reconheceu a minha sobrevivência, a minha existência. Essa noite eu marco uma história para dar continuidade às outras que estão por vir e que estão aqui”.

Foto| Guilherme Luz

Ao FODA, Lunna traz à memória o encontro com a diva pop na Bahia, fala sobre ancestralidade e comenta sua história na cultura ballroom. Confira abaixo:

Como que é para você lidar com a sua existência, sabendo que ela é política, mas para além da política, o que que a sua existência representa, tanto para você, mas para a sociedade também?

Bom, automaticamente quando reverbero sobre questões que fala sobre o meu corpo, eu entendo que isso já é uma política. Quando se fala fora desse lugar, e quando eu entendo que a minha existência vale mais do que várias outras possibilidades que o sistema, que a cisgeneridade nos coloca, eu começo a perceber que o meu caminho também pode ser construído de uma outra forma, para um outro lugar, e para os meus.

Quando se fala de Brasil, especificamente, entendo que o meu corpo é um corpo muito criminalizado, é um corpo que é muito exposto. Então, a partir do momento que eu crio laços e uma oportunidade, e oportunizar também, eu acabo me guardando e me protegendo. Para mim, só de saber também da importância do que eu faço, do que eu venho reverberando enquanto arte, é incrível. Mas enquanto prosperidade, enquanto guerra mesmo, porque o Brasil é um lugar que a gente tem que guerrear, principalmente quando fala da nossa comunidade.

A gente sabe que você foi anunciada pela própria Beyoncé, quando ela veio ao Brasil. O que tudo isso representa para você? Como isso te reverbera?

Bom, falar da Beyoncé é falar sobre um lugar ainda extremo, acreditem! A minha relação com a Beyoncé vem da minha infância. Eu acompanho a Beyoncé desde os meus 10 anos. Então, assim, eu era uma menina pequenininha, nova, sem saber de nada, mas eu sempre achava algo muito diferente nela quando eu assistia aos seus clipes.

Beyoncé me inspirou a ser o que eu sou hoje, enquanto arte. Eu sempre achava que meu lugar de fã era um lugar muito diferente. Isso não é de agora, isso é de muito tempo. Sabe quando você tem um lugar de, tipo, imaginar que vai acontecer alguma coisa e que o seu lugar com tal pessoa é diferente? Então, eu sempre achava que meu lugar enquanto fã da Beyoncé era diferente. Até que realmente foi diferente, né?

E quando ela veio para o Brasil, eu fui convidada para ser a diretora artística do evento, do Globo Renascence, e ser a DJ da noite. Porém, eu acabei sendo a DJ principal da noite, e nesse decorrer, eu fui anunciada por ela. Sendo a primeira brasileira a ser anunciada por ela, e ter esse contato com ela nos bastidores. Inclusive, eu fui a única pessoa que tive a foto com ela fora do camarim. Então, para mim, isso foi um lugar de muita certeza, que eu não estava errada.

E aproveitando esse gancho, para falar sobre esse lugar transfóbico, desse país transfóbico que a gente vive. Eu comecei a pensar: e se eu não fosse uma travesti preta de periferia, se eu não fosse essa questão que as pessoas sempre tentam tirar de cena, como seria isso? Como seria esse lance todo com a Beyoncé, com a maior artista viva na atualidade?

Eu lembro que na época, foram sites específicos que repostaram sobre. Inclusive, o que eu vou falar aqui, não é nem sobre esse lugar, mas eu sei que eu tenho um lugar específico: que eu sou a minoria comparada à artista Ludmilla, que é uma artista muito incrível. Mas, eu sei que as pessoas deram muito alvoroço a ela em si, e esqueceram de que o tópico principal do anúncio do trabalho foi para uma travesti preta, sabe? Independente do processo dos sonhos da outra artista. Portanto, eu fico nesse lugar também de reflexão e eu trago esse lugar ao mesmo tempo, porque as coisas ainda não acabaram.

Em uma matéria no “Jornal Correio”, você falou sobre a importância da ancestralidade no seu fortalecimento existencial. Mas, a partir disso, qual é a relação que você mantém com essa ancestralidade, e como de alguma forma, ela te fortalece?

Falar sobre ancestralidade, é falar sobre o que eu vivo hoje, sobre minhas novas conexões, e principalmente, trazendo em base minhas questões religiosas. Hoje, eu tenho um lugar muito específico com a identidade, e com o que o Candomblé reverbera. Foi algo que eu me reconectei, me conectei muito e estou em um lugar recente. Mas, foi um lugar onde eu consegui entender também meus caminhos, e foi onde eu percebi o que eu queria fazer, os meus cuidados.

Portanto, quando se fala sobre isso, é importante trazer também uma camada espiritual, e falar sobre meus ancestrais, que justamente veio desse lugar também, que a gente tanto reverbera, que é essa religião, especificamente. Então, eu acho que isso foi um lugar muito forte, um ponto forte também para me manter no eixo.

E eu sou de Iansã (Oyá), né? Eu sou dos ventos, aí a gente consegue perceber o processo do “segura e não segura”. Eu consigo entender que nada chega ao fim, enquanto a gente não conclui aquilo. Então, eu acho que ainda tem muita coisa para ser feita. Eu sinto que são camadas, são momentos de reflexões, mas são camadas, inclusive, positivas. A gente não pode trazer o negativo para nada, principalmente, quando se fala do meu corpo, que inclusive, ainda é um corpo que a cada dia não está mais em vida.

A cultura ballroom faz parte de uma grande história da sua existência. Como que a cultura ballroom entrou na sua vida e o que essa cultura representa para você?

Vamos falar de um tópico que é bem importante na minha vida. Eu comecei a dançar, especificamente, em 2017, e a partir daí eu comecei a trabalhar com dança e conheci a cultura ballroom. Foi no final de 2017 a 2018 que comecei a procurar e entender o que significava a ballroom, e qual era o sentido disso. Então, eu comecei a entender que é um lugar muito de comunicação, de você estar presente, de você ser filha, de você ser filhe… Para mim, foi um lugar onde me encontrei, é aqui que eu vou viver. Então, eu já estou lá desde 2018.

A ballroom tem um tópico muito importante, que é sobre esse lugar do acolhimento, um lugar que a gente consegue ser quem a gente quiser ser. Portanto, é um lugar que foi feito para travesti, um lugar que foi de criação de uma travesti. É um processo que foi para comunidade LGBTQIAPN+. Obviamente, que nesses lugares existem dores, mas é um lugar que você pode se sentir bem. Eu estou nessa já tem um tempo, e eu fico muito feliz de fazer parte, de estudar, de levar o que eu tenho enquanto somatória. Sair daqui, da minha cidade, ir para outros lugares, é conhecer, é me potencializar na cultura.

O que podemos esperar dos novos passos da carreira de Lunna Montty e quais são as novidades dessa carreira daqui para frente?

Acredito que a cada dia, eu entendo que a minha potência tem um lugar de continuidade. É uma atmosfera que nunca acaba, que nunca tem um fim.

Sobre planos, estratégias, começo e fim… tem muita coisa para surgir ainda, viu? Tem coisa que eu posso falar, tem coisa que eu não posso. Mas eu sinto que vem muita coisa para abrilhantar ainda mais o meu caminho. Acreditando nos meus, nas minhas identidades, nos meus sonhos, nas minhas questões religiosas… É acreditar em tudo que eu posso acreditar, inclusive. Mas vem muita coisa, e eu tenho muita crença disso. Pessoas novas, projetos novos, pensamentos novos e caminhos novos.