Geodésica construída na comunidade quilombola Morro do Fogo em Serra das Araras-MG

Começamos nossa andança pelo Caminho do Sertão no dia 4 de setembro. A primeira vivência se deu na Comunidade Quilombola de Morro do Fogo, que está localizada entre o município de Chapada Gaúcha e o Distrito de Serra das Araras. Chegamos à sede da Associação Quilombola por volta das 9h00 da manhã, e boa parte da comunidade já nos esperava com o café servido e toda a hospitalidade característica da região.

Não imaginávamos o que iríamos encontrar pela frente, mas logo a geodésica construída pelo Caminho do Sertão, próxima a Igreja recentemente edificada pelos próprios fiéis, indicaram que ali existia uma comunidade organizada e movida por princípios religiosos marcantes.

Em alguns minutos um carro de boi aponta pela vereda Catarina, que corta a comunidade, e o ranger de suas rodas desperta os presentes, que se reúnem para receber o carro. Era o início da simulação da festa de São Sebastião, que acontece todo ano, em janeiro, e reúne toda a comunidade em torno de sua história.

A procissão com carro de boi é uma tradição do Rezado de São Sebastião em Morro do Fogo

No início do século XX, a pandemia de gripe espanhola assolou todo o planeta e chegou ao Sertão. Em 1918, diante da morte de parentes e pessoas da comunidade, Dona Merquida Pereira dos Santos se ajoelhou e pediu pelo fim da gripe espanhola. Após sua súplica os casos começaram a diminuir, e a partir daí Dona Merquida e sua família deram início a um louvor em homenagem a São Sebastião, como agradecimento à graça recebida. Nascia dessa forma o Rezado de São Sebastião na Comunidade do Morro do Fogo. Ano após ano, todo dia 20 de janeiro, a festa acontece e mobiliza os moradores da região.


Um século depois vivemos uma nova pandemia e a comunidade Morro do Fogo segue unida e trabalhando para se manter viva e forte. Uma vida que exige a luta pela terra, para muitos ainda em disputa judicial, como nos contou seu Santo, uma das principais lideranças comunitárias da região, que resume a peleja numa frase: “Já compramos estas terras várias vezes, do tanto que já gastamos com advogados”.

Seu Santo, liderança comunitária e símbolo da luta quilombola em toda região

Filhos e netos de escravos refugiados na região há séculos,  os moradores do Morro do Fogo que mantêm suas tradições e cuidam deste território, se encontram agora diante de uma nova luta: o avanço cada vez mais ameaçador do agronegócio e da monocultura.

Resistem principalmente pela sua capacidade de organização e sua crença, e podemos comprovar tudo isso nas suas  apresentações durante o dia que estivemos por lá. A folia de reis, as danças populares, a festa religiosa, a produção agroflorestal e extrativista foram mostradas com cuidado e devoção. Como um tesouro, a comunidade quilombola do Morro do Fogo tem esperança que esta sua riqueza seja reconhecida e garanta às futuras gerações a possibilidade de permanecer neste território, como seus ancestrais.

E seguem sua luta diariamente, como Dona Irene, que junto a outras mulheres tem se esforçado para que a comunidade possa transportar seus produtos para a Feira na cidade, que acontece aos finais de semana. Para isso, inclusive, lançaram uma vakinha virtual de forma que a comunidade possa adquirir um carro para conduzi-las à Feira, sem depender de ajuda  e favores externos.


Clique aqui para acessar a Vakinha.

Assim, com mutirões e ações coletivas os comunitários levantaram a sede da Associação, a igreja, a geodésica, e são um exemplo para as demais Comunidades Quilombolas da região, de como a luta coletiva e a organização são fundamentais para o desenvolvimento de toda a comunidade. 

O sol já se punha, e na beira de um fogão de lenha, a gente conversava com Preta. A visita que encerrava o dia na Comunidade do Morro do Fogo tinha um objetivo específico: provar do seu feijão tropeiro. Tudo que estava na panela foi plantado e colhido em sua roça, daí o seu sabor não poder ser narrado em prosa, pois é pura poesia gastronômica. Era a última oferta desta Comunidade tão hospitaleira e generosa, que abria e abençoava a nossa caminhada pelo Sertão Mineiro. Travessia.

 

Dona Preta na porta da cozinha em sua roça


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