Por Mariana Siracusa, Paula Napolião e Rachel Machado*

Há décadas, diversas pesquisas têm comprovado o fracasso da guerra às drogas em alcançar seu objetivo declarado de combater o uso, a venda e a produção de substâncias psicoativas. Além de não atingir seu propósito, a atual política de drogas afeta de várias formas a vida de moradores de favelas e periferias. Essa política, materializada pelas operações policiais, causa danos no corpo e na mente de pessoas que são obrigadas a viver em uma rotina de intensos tiroteios.

Nos últimos quatro anos, o projeto Drogas: Quanto Custa Proibir, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), tem se dedicado a medir os impactos financeiros e orçamentários da guerra às drogas nas seguintes áreas: sistema de justiça criminal, educação, saúde e na economia das favelas. As duas primeiras etapas demonstraram que: a) em um ano, os estados do Rio de Janeiro e São Paulo gastaram R$ 5,2 bilhões apenas para implementar a Lei de Drogas (11.343/06) e b) crianças expostas à a tiroteios envolvendo policiais no entorno das escolas têm seu aprendizado severamente prejudicado, o que pode, no futuro, reduzir sua renda em 24 mil reais.

O mais recente lançamento do projeto, dedicado a mensurar os prejuízos da guerra às drogas à saúde, demonstrou que conviver com operações policiais frequentes tem impactos significativos na saúde física e mental de moradores de favela. Para medir esses efeitos, foram selecionadas seis comunidades do Rio de Janeiro que, apesar de semelhantes do ponto de vista socioeconômico, foram expostas a diferentes níveis de violência policial armada. Em um grupo, aquelas afetadas por alto número de tiroteios com presença de agentes de segurança; e, no outro, três comunidades que não costumam ser expostas a este tipo de violência [1].

Os resultados revelam que acordar com helicópteros sobrevoando sua casa e viver com medo de ser baleado, adoece. Cerca de 30% dos moradores das áreas com mais tiroteios envolvendo agentes de segurança relataram sentir falta de ar, tremor e falta de sono e 43% sentem o coração disparar durante esses episódios. As proporções de adultos com hipertensão arterial, insônia prolongada, ansiedade e depressão são maiores nos territórios onde esses tiroteios ocorrem com frequência quando comparadas a outras áreas. Aproximadamente 51% dos moradores das comunidades com mais tiroteios sofrem com algumas dessas condições em comparação a 35,9% do grupo de moradores não afetados pela violência armada.

A pesquisa constatou, ainda, que viver em favelas com tiroteios provocados pelo Estado aumenta as chances de desenvolver algumas condições de saúde. Moradores das comunidades com mais tiroteios têm um risco 42% maior de desenvolver hipertensão arterial e o dobro da chance de sofrer com sintomas típicos de ansiedade e depressão, em relação aos moradores das outras três comunidades analisadas, que não foram afetadas por esses episódios.

Além dos efeitos na saúde da população, a guerra às drogas também provoca prejuízos econômicos. No grupo com as três comunidades mais afetadas pelos tiroteios envolvendo agentes do Estado, 6,8% dos adultos ficaram impedidos, por pelo menos um dia, de realizar atividades rotineiras, como estudar e trabalhar, por questões de saúde, enquanto nas demais comunidades 4,8% dos entrevistados relataram o mesmo. A não realização dessas atividades gerou uma perda de 1,4 milhão de reais em um ano para o conjunto dos moradores das três comunidades mais expostas à violência armada provocada pelo Estado. Por outro lado, o fechamento das unidades de saúde nos três territórios frequentemente expostos a esse tipo de violência tem um custo anual de cerca de 317 mil reais para os cofres públicos e para a sociedade [2].

Há muitas formas de “matar” um indivíduo. A guerra às drogas é uma política de morte em todos os sentidos: interrompe a vida da juventude negra e, ao mesmo tempo, nega o acesso a direitos fundamentais como educação, saúde, trabalho e renda. Além de dor e sofrimento, esta escolha política custa caro aos cofres públicos, mas quem paga o preço mais alto são moradores de favelas e periferias.

[1] Os dados sobre tiroteios com presença de agentes de segurança foram disponibilizados pelo Instituto Fogo Cruzado e referem-se ao ano de 2019.

[2] Este cálculo considerou o fechamento de três dias a mais, em média, das unidades de saúde das comunidades mais afetadas por tiroteios com a presença de agentes de segurança em comparação com as outras três comunidades, a partir do relato dos moradores. Para mais detalhes sobre a metodologia, ver drogasquantocustaproibir.com.br

*Mariana Siracusa, socióloga e coordenadora adjunta do Centro de Estudo de Segurança e Cidadania.
Paula Napolião, antropóloga e coordenadora de pesquisa do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania.
Rachel Machado, socióloga e coordenadora de pesquisa do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania.

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