Ainda lutamos pelo direito à vida e Marielle nos deu um gesto de generosidade política, cuidado e construção solidária de aliança com os movimentos populares

Foto: Arquivo pessoal

Por Camila Marins

No dia 10 de março de 2017, recebi o convite da assessoria do mandato da vereadora Marielle Franco para construir o Projeto de Lei (PL) da visibilidade lésbica. A reunião foi realizada no dia 13 de março de 2017, no gabinete 903, quando nos foi apresentado um esboço do Projeto de Lei da Visibilidade Lésbica, que propunha instituir o 29 de agosto como Dia da Visibilidade Lésbica no calendário oficial do Rio de Janeiro. Naquela noite, estivemos com os grupos Coletivas Sapa Roxa, Visibilidade Lésbica e Liga Brasileira de Lésbicas, além de ativistas autônomas. Marielle, numa prática feminista e de esquerda, convidou o conjunto dos movimentos sociais para uma construção coletiva.

Juntas, lemos e ajudamos a escrever o PL e a pensar uma estratégia de mobilização pela aprovação. Foram realizadas reuniões em diferentes territórios até que foi marcado o lançamento da Campanha pela Visibilidade Lésbica no Rio de Janeiro, no dia 16 de maio de 2017, organizada pela Liga Brasileira de Lésbicas, Coletiva Visibilidade Lésbica e Sapa Roxa.

No encontro, foi realizada a roda de conversa “Violência, Saúde, Trabalho e Educação”, com participação de Marielle Franco, Michele Seixas, Ana Almeida, Geisa Garibaldi e Pâmela Souza, com minha mediação ao lado de Virgínia Figueiredo, a primeira candidata lésbica no Brasil. Foram mais de 100 sapatonas lotando o plenarinho da Câmara Municipal.

Adesivo distribuído por Marielle. Imagem: Divulgação

Na sequência, pela articulação política do Projeto de Lei, as coletivas junto com a mandata de Marielle Franco promoveram no dia 5 de junho 2017 um encontro de construção da Campanha pela Visibilidade Lésbica, no bar Resiliência, na Vila da Penha, com o objetivo de realizar um balanço do debate público na Câmara de Vereadores e preparar o material da visibilidade lésbica que seria lançado em um sarau. No entanto, no dia 16 de agosto de 2017, o PL foi rejeitado por apenas dois votos de diferença pela maioria dos vereadores, sob o argumento fundamentalista e conservador. Muitos parlamentares contra o PL da visibilidade lésbica – inclusive o atual governador do Rio de Janeiro, Claudio Castro – subiram à tribuna para afirmar que a data era “desnecessária” e que “enquanto bancada evangélica combateriam”.

Cerca de 40 mulheres lésbicas – com o apoio de pessoas trans da CasaNEM – ocuparam a galeria da Câmara para pressionar os vereadores que reverberaram lesbofobia e machismo.

Após a rejeição do PL, muito choro e dor. E toda essa raiva foi utilizada como instrumento pedagógico de resistência, pois as coletivas criaram a “Ocupa Sapatão”, movimento político e cultural com falas e apresentações artísticas em frente à Câmara Municipal, na Cinelândia. Vale lembrar que a Casa Legislativa que rejeitou o PL da Visibilidade Lésbica sob o argumento de desnecessário é o mesmo Parlamento que aprovou o Dia do Pão Francês.

Os últimos anos mostraram que a luta na arena parlamentar é crucial para enfrentar a LGBTQIAfobia estrutural. O Legislativo tem sido majoritariamente branco, cis, hétero, masculino e não laico. Sem romper essa hegemonia, dificilmente conseguiremos marcos legais que promovam mudanças expressivas com relação à diversidade de gênero. O Congresso Nacional nunca aprovou uma única lei específica para a população LGBTQIA+.

No entanto, a ocupação do Parlamento por mais pessoas LGBTQIA+ precisa vir, necessariamente, aliançada com os movimentos sociais que estão há décadas e séculos nas lutas por direitos e cidadania.

Ainda lutamos pelo direito à vida e Marielle nos deu um gesto de generosidade política, cuidado e construção solidária de aliança com os movimentos populares.

Por Marielle, por Luana Barbosa e tantas mulheres negras, não seremos interrompidas.

Camila Marins é jornalista, mestranda em políticas públicas em direitos humanos pela UFRJ, uma das fundadoras da Ocupa Sapatão e idealizadora do projeto de Lei Luana Barbosa de enfrentamento ao lesbocídio.

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