Por Vênus Amália

Eu acho que de certa forma fiquei mal acostumada com a Academia. Nas Universidades todo mundo é muito consciente e preocupado em ser inclusivo, em falar a coisa certa. Ou, pelo menos, na superfície. Como qualquer setor da sociedade, o machismo também está presente ali. Em algumas situações, noto que as pessoas estão muito preocupadas em falar a coisa certa, mas na hora de fazer, deixam a desejar.

É claro que eu sabia que o machismo existia, eu só não sabia que seria eu que o enfrentaria tão cedo e de forma tão explícita na minha carreira.

Talvez eu tenha sido bastante ingênua. Mas, a verdade é que (quase) ninguém no mundo “real” se importa com a militância, com racismo, com machismo, e homofobia.

As pessoas seguem por aí falando e fazendo todo o tipo de absurdos porque possivelmente ninguém vai apontar o erro.
Acho que a falta de diálogo com o público externo, talvez, seja o maior problema da militância.

Como disse, no ambiente acadêmico, estamos acostumados, ensinados e condicionados a pensar sobre os problemas sociais. No mundo aqui fora, não.

A bolha em volta dos estudantes é, de certa forma, ludibriante. Te ilude, porque te induz a pensar que o mundo inteiro também age e pensa daquela forma. Ok, essa parte é culpa minha. Eu me iludi sozinha, admito.

Entretanto, o restante desse relato não tem nada a ver comigo, e sim com meu gênero.

Mas, primeiro precisamos voltar um pouco.

Assim como todo millennial, eu não nasci desconstruída, mas cresci na geração da internet e das redes sociais, da informação rápida e da inclusão.

A internet proporcionou isso, de certa maneira. Eu não sei como comecei a me interessar pelo feminismo, mas sei que a desigualdade sempre foi algo que me incomodou profundamente.

Assim como todo mundo, também cometi erros, também tive falas e ações que reproduziam machismo. Afinal, foram sei lá quantos anos vivendo e pensando dessa forma.

É difícil desfazer a programação mental propagada social e culturalmente. Então, eu entrei no mercado de trabalho. Ufa, as mulheres já podem trabalhar e ter seu próprio dinheiro. É uma vitória, certo? Sim e não.

A gente conquistou o direito ao trabalho, mas estamos longe da igualdade, seja salarial ou social.

Em poucos dias de trabalho, comecei a notar algumas situações que me deixaram com a pulga atrás da orelha. Obviamente, ignorei. Só poderia estar louca, né?

Mesmo tendo competência e diploma, percebi que meu superior dava preferência nas pautas para o estagiário. Eu quase nunca ia a eventos externos. Era sempre ele.

Embora meu texto seja melhor e mais fluído e meus erros também são escassos se comparados aos dele, eu nunca sou a escolhida.

A sensação é a mesma de ser a última pessoa a ser selecionada para um time na escola.

Contudo, eu sei que o problema não sou eu, é meu gênero. Eu preciso me esforçar duas, três vezes mais para ser levada a sério. Isso é justo?

Eu preciso gritar mil vezes mais alto para ser ouvida, eu preciso ser a melhor das melhores em um mundo de medíocres senão não sou suficiente. Isso é justo? É claro que não, mas é como o mundo dos homens funciona e eu, assim como todas as mulheres, estou à mercê dele.

No início, pensei: Tudo bem, ele já deve estar acostumado né? A minha hora vai chegar. Até esse momento, ainda não chegou.

Também notei que ele pegava muito mais pesado comigo, as broncas eram muito mais agressivas. Deve ser porque eu ganho mais né?

É claro que o machismo é uma das últimas coisas que passaram pela minha cabeça, mas logo eu tirava aquele pensamento da mente e tentava atribuir a qualquer outra coisa.

O problema é que nunca é algo tão óbvio ou explícito. São pequenas agressões e humilhações que vão minando nossa saúde mental e silenciando nossas vozes. Afinal, eu não posso falar que aquilo me machuca ou que está errado, senão sou agressiva, prepotente ou mimada.

Contudo, também percebi que a outra estagiária também era levada ao escrutínio. Meus erros eram postos sobre um microscópio, analisados minuciosamente e a bronca era proporcional.

Entretanto, o rapaz poderia fazer o que quisesse ou errar de mil maneiras diferentes ou de formas mais sérias e ainda assim, eu nunca o vi levando uma chamada sequer.

Outra agressão recente: minhas ideias nunca são levadas em consideração. Nunca na minha frente, pelo menos.

Há pouco tempo, eu deveria ter ido a uma coletiva de imprensa. Porém, fiz duas sugestões de perguntas que foram completamente descartadas pelo meu chefe. Porém, durante a conversa da autoridade com os jornalistas, as perguntas que sugeri foram utilizadas, mas eu não estava lá e não foram proferidas por mim.

Minhas ideias só são validadas quando um homem diz ou faz a mesma coisa.

Eu tenho certeza de que inúmeras mulheres se identificam com esse relato. Ele foi escrito por mim e baseado em uma experiência minha, mas não é única e compartilho-a com dezenas de trabalhadoras contemporâneas. Além de triste, é assustador.

Também sou repórter política e aprendi, nesse intervalo, que a política é uma areia movediça.

Os repórteres são quase todos homens com voz grossa, alta e agressiva.

Nós, mulheres, precisamos gritar para que nossas perguntas sejam ouvidas, enquanto eles mal fazem esforço, ou até eventualmente desistimos de falar alguma coisa porque sabemos que não seremos levadas a sério. Isso também funciona como uma metáfora para a vida.

As poucas mulheres ali presentes precisam se conformar. São quietas, não falam, enquanto os homens tomam as rédeas.

Durante este período, embora curto, percebi que o mundo é um verdadeiro clube do bolinha e que os homens têm um acordo tácito e secreto de sempre estarem um ao lado do outro. É uma cumplicidade, uma fraternidade que não existe entre as mulheres.

Eles têm sempre certeza de que o homem está certo, não importa a circunstância e irão se defender primeiro e depois apontar dedos.

Conosco, é ao contrário, fomos ensinadas a nos odiar, a nos vermos como inimigas e a ficar do lado de quem não nos protege. Enquanto os homens se fortalecem, a gente se enfraquece e se divide.

É devastador saber que estamos à mercê dos homens e do patriarcado. Às vezes, dá vontade de desaparecer, de não querer mais lutar. No entanto, se não fizermos isso agora, as próximas gerações vão sofrer o mesmo que nós estamos sofrendo agora. Eu quero e preciso acreditar em uma melhoria, em uma mudança de pensamento e comportamento social.

O feminismo liberta e precisamos estar despertas para lutar contra o inimigo invisível.

A gente não consegue ver o patriarcado, mas ele está tão enraizado e presente que dita todos os nossos movimentos, como se fôssemos apenas peças de xadrez. Quanto mais cedo percebermos isso, mais cedo poderemos combatê-lo.

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