Além da pandemia, pressão política e econômica do COI sobre governo japonês minou apoio popular à competição

TÓQUIO, JAPÃO – Um trabalhador limpa a quadra de tênis de mesa antes dos Jogos Olímpicos de Tóquio de 2020, no Ginásio Metropolitano de Tóquio em 19 de julho de 2021 em Tóquio, Japão. Foto de Steph Chambers / Getty Images, 2021

Por Gisele Amaral

Pouco ficou da alegria contagiante vista no público durante o encerramento dos Jogos Olímpicos do Rio, quando o então primeiro-ministro japonês Shinzo Abe, vestido como o personagem do game Super Mario, emergiu do tradicional cano verde no meio do palco montado no Maracanã. A passagem do “bastão” das Olimpíadas para Tóquio encheu o mundo de expectativas em 2016, mas o medo da pandemia vivida pelo planeta desde o ano passado, atropelou o apoio popular ao maior evento esportivo do mundo.

Ninguém pode negar que o mundo respira menos tensão depois de 16 meses da crise sanitária causada pela Covid-19, isso graças ao avanço da vacinação em vários países. Mas apesar dos ares de contemporaneidade e convivência tranquila com novas tecnologias que o Japão transmite ao mundo há muito tempo, o país não conseguiu avançar na vacinação em massa de sua população e isso por uma falta de confiança quase cultural que os japoneses têm contra vacinas.

O problema da vacinação

Segundo dados da Universidade de Oxford, 34,5% da população japonesa recebeu a 1ª dose de imunização contra o coronavírus e a 2ª dose chegou para 22,5% dela, com informações referentes a 19 de julho. Os números demonstram um grande esforço de imunização nos últimos dez dias, quando uma lenta distribuição de vacinas ainda emperrava o avanço. Mas o atual problema do Japão não se resume a uma logística mal planejada: o país-sede dos jogos olímpicos demorou para começar a imunização, depois do início do processo no Brasil, por exemplo.

A desconfiança cultural que a população local tem contra vacinas influenciou o atraso, um costume que começou na década de 70, quando casos de morte foram registrados após campanhas de imunização contra difteria, tétano e coqueluche. No início dos anos 90, um novo susto com a vacina tripla contra sarampo, rubéola e caxumba abalou mais ainda a pouca confiança japonesa nos imunizantes. No caso da vacina contra Covid-19, as autoridades exigiram testes clínicos locais para Pfizer e Moderna, as únicas aprovadas por lá – o que explica a demora em iniciar a vacinação em plena temporada olímpica.

Insistência política e econômica

As 4 milhões de mortes provocadas pela pandemia em todo o mundo não abalaram a insistência do governo japonês e do Comitê Olímpico Internacional em realizar os jogos. A teimosia bateu de frente com o medo e a vontade da população japonesa, que já dava pouco apoio ao evento por entender que houve pouca transparência na divulgação dos gastos com as Olimpíadas.

O apoio popular foi minado de vez com o aumento no número de casos de Covid-19 no país, especialmente na região de Tóquio. O crescimento levou as autoridades a recuar da intenção de manter em 300 a média de casos da doença durante a competição: agora estão sendo obrigadas a engolir mais de mil registros pelo 5º dia consecutivo, com dados referentes a domingo (18), de acordo com a Rede Brasil Atual.

E isso pode piorar, com os cerca de 15 mil estrangeiros, entre atletas, comissões técnicas e profissionais de imprensa, desembarcando no país desde a última semana. Este microcosmo esportivo da Tóquio 2021 também já padece com os efeitos da pandemia, com 81 registros positivos para coronavírus até esta terça (20).

E você pode até se perguntar por que a insistência na competição, mesmo com o cenário tão negativo e a resposta parece estar alojada em dois fatores. O primeiro, na promessa política de Abe – que precisou se afastar do comando do Japão em setembro do ano passado por problemas de saúde, mas deixou a “herança” para seu substituto, Yoshihide Suga. Com os jogos, a expectativa era que houvesse um reposicionamento econômico e diplomático do Japão perante o mundo.

O segundo estaria na pressão econômica do COI e dos patrocinadores dos jogos olímpicos: nada menos que 60 empresas locais investiram cifras que ultrapassam os U$ 3 bilhões de patrocínio ao evento, contando com o aporte dado após o adiamento do ano passado. Segundo a Folha de São Paulo, Suga tem enfrentado dificuldades em resistir às pressões do Comitê Olímpico Internacional, que poderia cobrar uma indenização impagável caso o governo japonês decidisse não mais realizar a competição.

Insatisfação popular

A falta de confiança no projeto olímpico é um dado estatístico. Em pesquisa divulgada nesta segunda (19), pelo jornal Asahi Shibum – um dos cinco maiores do Japão – indica que 70% dos japoneses duvidam que os Jogos de Tóquio possam ser realizados com segurança em relação à pandemia. Diante de tantos desafios, foi adicionada ao caldeirão de dificuldades a resistência popular ao evento, num movimento social muito parecido com o que foi visto nos Jogos Olímpicos do Rio.

As obras públicas que tentam dar uma padronização internacional aos logradouros públicos da cidade, sofreram severa rejeição da sociedade, em função dos gastos exorbitantes e da remoção de comunidades inteiras para construção de equipamentos olímpicos – já conhecemos essa história, inclusive. A diferença entre o Rio de Janeiro e Tokyo é que aqui a população se viu enganada pela corrupção econômica durante os preparativos; e por lá, foi o apressamento do processo de recuperação do desastre nuclear de Fukushima que decepcionou os japoneses.

A rejeição local aos Jogos de Tóquio acabou influenciando decisões nunca antes vistas na história dos Jogos Olímpicos. A primeira partiu dos próprios patrocinadores, que tentam diminuir a associação de suas marcas ao evento. Nesta segunda-feira (19), Akio Toyoda, presidente da Toyota – maior patrocinadora da competição – anunciou que não participará da abertura dos jogos. “As Olimpíadas estão se tornando um evento que não conquistou a compreensão do público”, afirmou a empresa em comunicado.

No dia 08 de julho, o governo japonês já havia feito um anúncio mais polêmico: decidiu vetar a presença de torcidas nos estádios, quando quase 1 milhão de ingressos já haviam sido comercializados a preços populares, numa queda de receita estimada em U$ 815 milhões. E a arrecadação que viria dos gastos turísticos na cidade também foi perdida com as restrições impostas pela pandemia.

A despeito de tudo isso, as Olimpíadas de Tóquio começam esta semana: já na terça (20) teremos a primeira partida da competição: um duelo de softbol entre os times do anfitrião Japão contra a Austrália, às 21h, horário de Brasília. A abertura oficial acontece na sexta (23), a partir das 8h da manhã no Brasil.

 

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