O atleta não conseguiu classificação à final e se despede da Olimpíada

Foto: Wagner Carmo / CBAt

Por Felipe Conte para a Cobertura Colaborativa NINJA Esporte Clube

Na tarde ensolarada do dia 24 de abril, no Centro Nacional de Desenvolvimento do Atletismo em Bragança Paulista, o destino era escrito por Olorum, o ser supremo da mitologia iorubá. Com a confiança e força de vontade do grande Orixá Obatalá, Samory Uiki correu e pulou como nunca havia feito na vida. O atleta gaúcho garantiu a vaga nos Jogos Olímpicos de Tóquio atingindo a quinta melhor marca da história do salto em distância brasileiro – 8,23m – superando a própria marca de 7,93m. Quando o corpo pousou na areia, o recado estava dado: anotem este nome.

Nascido em Porto Alegre, o menino recebeu o nome em homenagem a Samori Turé, guerreiro de Guiné que enfrentou a colonização francesa entre 1882 e 1898. A escolha dos pais, feita após consulta ao professor que ensinava tradições africanas, Oliveira Silveira, tinha como objetivo valorizar a cultura afro e resgatar a ancestralidade. “Uiki”, por sua vez, significa “mel” em iorubá, língua falada pelos negros escravizados no sul do Brasil. “Samory é um nome forte que meu filho gosta muito. Ele é um guerreiro muito determinado e que corre atrás enquanto não consegue o que quer. O nome está bem relacionado ao que ele é hoje”, relata Carla Bandeira.

Foto: Wagner do Carmo / CBAt

Prodígio, Samory aprendeu a ler e escrever com o pai antes de entrar na escola. Aos 8 anos, ganhou bolsa na escolinha de atletismo da Sogipa e, posteriormente, outra no colégio Pastor Dohms, um dos melhores da capital gaúcha. Aos 10, já havia começado o inglês. Os pais o aconselharam desde cedo, mostrando o caminho que deveria traçar. “Sendo o Samory um menino negro, a gente sabia o que ele ia enfrentar, então precisaria estar bem preparado pra quando surgissem as oportunidades. Toda essa construção na caminhada dele foi uma sementinha plantada ainda na infância para chegar nessa potência que é hoje”, explica a mãe. Mantendo a mesma dedicação nos treinos e nos estudos, Samory foi aprovado na faculdade de direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mas acabou aceitando um dos inúmeros convites para estudar no exterior. 

Em Ohio, no norte dos Estados Unidos, cursou relações internacionais enquanto ainda alimentava o sonho olímpico. Formado, voltou à terra de origem com o foco total em Tóquio. A pandemia, nesse sentido, o ajudou. Se os Jogos fossem realizados no ano passado, ele não estaria entre os classificados. Após carimbar a vaga em São Paulo, ainda precisou recusar uma bolsa para um mestrado em administração do esporte na Universidade Olímpica de Socchi, na Rússia. O atleta não se arrepende das decisões que tomou ao longo do caminho. “Acho que o meu maior aprendizado é estar sempre preparado para que as oportunidades apareçam com mais facilidade. Além disso, tentar se manter positivo sempre, pois a vida é feita de ciclos e a positividade ajuda na motivação para enfrentar as adversidades”, conta.

Foto: Arquivo Pessoal

Ser testado ao limite e se projetar cada vez mais longe nunca foi um problema para o porto-alegrense que carrega a bandeira da negritude antes mesmo de saltar pela primeira vez. “Eu sempre me preocupei em ensinar que ele é um cidadão de direitos e que ele pode ser o que ele quiser. Ele sofreu com o racismo, mas na época conseguiu conduzir muito bem porque a gente sempre falou de negritude em casa e de que ele teria que se posicionar. Hoje ele consegue falar sobre isso e transcender”, declara Carla. 

Acompanhado dos ancestrais, Samory Uiki partiu para voos desafiadores do outro lado do planeta. “Pra mim é uma realização muito grande, especialmente se tratando do maior evento esportivo do mundo.” Nas classificatórias deste sábado (31), o brasileiro ficou com a oitava posição de sua bateria, com 7,88m, o que não foi suficiente para levá-lo à final da modalidade. Aos 24 anos, Samory já é um exemplo para muitos jovens negros que assistiram a participação e sonham em repetir o feito. “Me considero um guerreiro e sigo trabalhando duro para me tornar uma referência”, disse. Paris 2024 é logo ali. “Meu filho é um guerreiro que não foge à luta!” 

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