A campeã olímpica de Londres tenta a segunda medalha antes de fazer pausa na carreira

FIVB

Por Felipe Conte para a Cobertura Colaborativa NINJA Esporte Clube 

Destinee Hooker ataca forte no fundo da quadra. Defesa de Jaqueline com a mão direita. Bola pro alto. Agora é pra fechar. Dani Lins levanta para o corredor esquerdo. Fê Garay ataca no bloqueio. A bola passa, não volta mais. Essa história não se apaga. A dona da mão direita que garantiu o ouro brasileiro no vôlei feminino contra os Estados Unidos, em 2012, lembra do ponto como se o tivesse feito ontem. No entanto, há momentos da trajetória dela que o cérebro de Fernanda Garay optou por esquecer. 

Filha de esportistas, a gaúcha de Porto Alegre começou a jogar na escola ainda no ensino fundamental. O primeiro contato com o vôlei, porém, poderia ter sido o último. O pai da atleta conta que ela, aos 7 anos, sofreu muito com a discriminação das colegas que se uniram contra a única negra do time. Pensando no bem da filha, o casal tomou a difícil decisão de tirá-la das aulas. “Eles optaram por isso porque tinham medo que eu perdesse o gosto pelo esporte. O que mais me impressiona nessa história é eu não me lembrar, eu apaguei”, relatou no evento “Jornalismo: Esporte, Inclusão e Democracia”, realizado pela Escola de Comunicação, Artes e Design – Famecos, da PUC do Rio Grande do Sul no ano passado. Encarando os bloqueios sem medo, aos 11 anos, Garay entrou para a escolinha da modalidade da Sogipa e, no ano seguinte, recebeu o convite do técnico Osmar Pohl para integrar as equipes de competição do clube. 

Foto: Alaor Filho/AGIF/COB

De lá pra cá, são mais de duas décadas atuando em alto nível. Aos 35 anos, Fê Garay chega para a terceira Olimpíada da carreira com o mesmo entusiasmo da juventude. A dedicação total ao esporte impediu ela de se aprofundar em questões relevantes como o racismo estrutural no Brasil. “Muitas vezes nós atletas vivemos numa bolha. Eu foquei tanto em ser a melhor jogadora, a minha melhor versão e fui, mas agora quando eu olho para o lado, eu vejo que não é só isso, é muito mais”. 

Com uma carreira consolidada em diversos países e com a visibilidade de ter atingido o topo do mundo na Olimpíada de Londres, não faltaram oportunidades para se posicionar abertamente a respeito de temas sociais. “O que falar? De que forma falar? Como não só apontar e contar como eu vivi o racismo, mas como nós vamos acabar com isso, de que forma nós vamos combater. E aí eu me vi despreparada e isso, particularmente, foi uma experiência muito nova”, relata. O reconhecimento também ressignificou os olhares dirigidos a ela. “Hoje, ao me olharem em um lugar, eu já não penso que aquela pessoa estranhou uma negra estar em um espaço que não fosse apropriado pra mim, porque hoje eu já sou uma atleta campeã olímpica. Então penso que me reconheceu por ter me visto jogar”, complementa. 

Foto: Wander Roberto/Inovafoto/CBV

Ampliando os horizontes, Fê Garay busca se informar e entender a gravidade do problema no país para que possa usar a voz no apoio à luta antirracista. “Os clubes não estão preocupados em formar cidadãos. Eu estou me formando agora como uma cidadã melhor. Eu estou me questionando e refletindo como eu vou contribuir para além das quadras. Hoje, pra mim, não basta ser um exemplo de campeã olímpica, mas de alguém que pode influenciar a sociedade”. Sendo a mais velha de cinco irmãos e uma das mais veteranas da seleção brasileira, ela tem muito o que ensinar aos jovens, como é o caso da estreante na competição, Ana Cristina, de apenas 17 anos. 

O plano é conquistar mais uma medalha dourada em Tóquio e voltar de lá para tornar a vida ainda mais colorida. Fernanda Garay anunciou que vai fazer uma pausa na carreira para realizar o sonho de ser mãe. Enquanto a maternidade espera, Fê Garay lidera o time que já emplacou três vitórias contra Coréia do Sul, República Dominicana e Japão. Na partida do Brasil na última terça-feira (27) contra as dominicanas, a ponteira foi a maior pontuadora do jogo com 26 pontos. No próximo sábado (31), às 4h25 da manhã, o Brasil volta às quadras para enfrentar a Sérvia, líder do grupo. 

 

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