O Decreto 10.502, que pode segregar alunos com deficiência, divide as atenções no mesmo período das Paralimpíadas. Qual a importância da escola para o paradesporto? Como pode afetar o futuro de novos atletas?

Foto de Fernanda, mulher branca, cabelos curtos, castanhos, olhos da mesma cor. Ela esta sentada em sua cadeira, que possui detalhes vermelhos e pretos, jogando tênis em uma quadra, ela está neste momento jogando a bola para o saque.

Fernanda Bittencourt é atleta desde a adolescência e conheceu o paradesporto na escola. Foto: arquivo pessoal

Por Carol Bastos e Maria Paula Vieira 

Em meio a jogos e medalhas em Tóquio, um decreto polêmico parece dançar pelo Brasil: o Decreto 10.502, denominado “Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida”, se trata de escolas especiais no atendimento de crianças e jovens com deficiência. De início, parece atraente, como se fosse trazer mais opções à família e ao aluno. Contudo há medidas segregatórias, inconstitucionais, que trazem retrocessos e atropelam a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e também a Lei Brasileira de Inclusão.

E essa eventual segregação prejudica o futuro de todos, inclusive do paradesporto, afinal a escola é um dos primeiros locais de incentivo à capacitação e integração entre todos.

As aulas de educação física são o local onde os jovens costumam ter seu primeiro contato com o esporte e, com isso, a oportunidade de descobrir uma certa paixão por uma ou mais modalidades em específico. A jovem paulista Fernanda Bitencourt, de 18 anos, e paratleta há 4 anos, conta que a escola foi muito importante nesse processo, “sempre fui a única pessoa com deficiência das duas escolas em que frequentei e os professores, nas aulas de educação física, em especial, sempre fizeram de tudo para me incluir em todas as atividades escolares, sempre adaptando de alguma maneira o que seria praticado em aula”, relata.

A atleta pratica tênis em cadeira de rodas, que começou a praticar fora das salas de aula, mas empolgou seus colegas e professores quando ficaram sabendo da novidade. Após ingressar na modalidade, lá estava Fernanda competindo em jogos como as Paralimpíadas escolares, sendo duas vezes medalhista nas chaves de duplas.

“Foi a minha primeira vez jogando em um torneio, uma grande experiência para mim, e saí muito feliz com meus resultados. A escola fez parte disso, sempre me dando o apoio necessário para que eu crescesse cada vez mais dentro do esporte”, conta.

Desde pequeno, Miguel Longo também foi incentivado a praticar esportes. Ele fazia natação, badminton e até futebol. Ele vivia na rua brincando com outras crianças sem deficiência. O asfalto era quadra de futebol, queimada, pique bandeira, pique pega e todas as brincadeiras que você pode imaginar.

Hoje Miguel tem 25 anos, e em 2017 decidiu que queria ser professor de educação física. Ele fazia ciência da computação, nada a ver com o garoto que vive no esporte desde muito pequeno. Ele decidiu abandonar o curso por não gostar e passou a, naturalmente, fazer palestras sobre a inclusão da pessoa com deficiência e a vivência singular que teve com o esporte.

Ele percebeu que a sua experiência era boa, mas não o suficiente.  Ele queria se aprofundar. “Eu comecei a perceber como um professor de educação física pode influenciar na inclusão e na desmistificação do que é a deficiência com as crianças sem deficiência.

 

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Ele revela que teve medo de fazer faculdade de educação física porque pensou que sofreria, novamente, com a exclusão de sua presença nas aulas. O que o motivou a ir atrás e não desistir da educação física foi uma conversa com sua amiga Camila Fuchs, que também é PCD e profissional de educação física. “Ela me disse que foi super inclusa na faculdade que ela fez e eu acabei sendo bastante incluso na minha graduação”.

“Eu acredito, que independente da área,  um professor tem um papel fundamental no que uma criança vai se tornar” afirmou Miguel. A educação pode mudar muita coisa, “é uma utopia que a gente tem que alcançar”, mesmo parecendo complicado, afinal é uma utopia, o futuro professor vê esperança:

“O que parece não ser alcançável é o que nos move. Pra mim, o futuro melhor está nas mãos da educação”.

Além das palestras que Miguel faz, ele participa do programa de iniciação à docência e também à residência pedagógica, que ocorre online por conta da pandemia.

O professor de educação física José Arthur Barros, com experiência no Voleibol Sentado, uma das modalidades do Paravôlei, afirma que hoje a Educação Física Escolar é mais humana e menos performática, incentivando a conhecer seu próprio corpo e suas possibilidades. Além disso, acredita nas Paralimpíadas como uma aproximação para mais locais desenvolverem atividades paradesportivas. “Há muito o que progredir, mas a velocidade da informação atual está ajudando nesta causa”, acredita Barros.

Além de Fernanda Bitencourt, a atleta paralímpica Evani Calado é um bom exemplo de que a educação pode sim incluir e apresentar aos alunos um esporte que você consegue adaptar. Evani, medalhista paralímpica, diz que a educação física sempre foi um horário na escola que ela simplesmente ganhava ponto por não fazer nada. Mas que tudo mudou quando ela foi para outra escola, em São Paulo, e seu professor de educação física mandou que ela fizesse um relatório sobre o jogo Bocha, e que ela iria começar a praticar o esporte nas aulas dele.

Foto em uma quadra onde Evani Calado, mulher branca, usa um uniforme amarelo com verde e leggins e máscara de proteção preta. Elva tem cabelo loiro preso em uma xuxinha verde e amarela. Está em uma cadeira de rodas e na sua frente uma calha de madeira está com uma bolinha vermellha. ela olha pra cima e ergue uma vara de alumnio presa em sua mão pra cima onde a bolinha vermelha está. ao lado está a calheira Renata, de costas para o jogo, com uo uniforme da seleção brasileira também.

Evani Calado durante a bocha paralímpica em Tóquio. Foto: Fabio Chey/CPB

No dia correto, com o relatório na mochila, ela encontrou o professor na entrada da escola com um cano de PVC e bolas de tênis. Foi a adaptação que o professor conseguiu fazer para que ela jogasse junto com a irmã, que virou calheira dela.

Apesar de odiar o esporte na época, foi o único contato que ela teve tanto da bocha, quanto da educação física em sua experiência acadêmica.

O professor, teve que se mudar e para a felicidade da jovem Evani, ela também parou de praticar. Ela só voltou na faculdade, quando entrou em um time de bocha, participou de campeonatos e em 2016, foi campeã de bocha nos jogos paralímpicos do Rio.

A inclusão da pessoa com deficiência na educação pode ser vinda tanto da parte dos alunos com deficiência quanto da parte dos professores PCD’s, Miguel Longo afirma que, “ter um professor de educação física com deficiência pode ser fundamental para tratar a inclusão das pessoas com deficiência”.

O ministro da educação, Milton Ribeiro, comentou no último mês que “crianças com deficiência atrapalham os colegas” e que “há crianças que é impossível a convivência”, uma forma de trazer validade ao decreto. Fernanda Bittencourt pontua que nunca afetou o andamento das aulas, obtendo acolhimento de professores e alunos, “sempre fui tratada e incluída como qualquer outra aluna”.

E isto é o retrato do processo que educadores, alunos, associações buscam manter ao lutar para derrubar o decreto.

Texto produzido em cobertura colaborativa da NINJA Esporte Clube

 

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