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Nessa terça-feira estávamos (e ainda estamos) contentes com a aprovação da resolução que implementará cotas para negros, indígenas e pessoas com deficiência em todos os cursos de pós-graduação da UFMG. Ontem, acordamos com a internet explodindo de notícias sobre a fala racista de um certo deputado federal, que me recuso a dizer o nome. Um tal deputado que admira torturadores como o Coronel Ustra, que faz apologia ao estupro publicamente e o mesmo que sem qualquer receio prega a homofobia, propaga todas as formas de violência contra as mulheres e deseja a volta da ditadura militar, junto com alguns da sua prole e que pensam igual a ele (e ai deles se não obedecerem ao papai!).

O mais estranho é que esse senhor proferiu frases racistas sobre os afrodescendentes e os quilombolas, numa expressão explícita de racismo, em um local que representa a comunidade judaica. Logo essa comunidade sobre a qual, historicamente, incidiu um tenebroso processo de racismo. Ainda bem que os judeus com postura emancipatória se colocaram contrários a esse evento e à recepção do deputado. E chamaram a atenção para o legado humanista do judaísmo.

O que mais importa nesse momento é refletir acerca do grupo sobre o qual recaiu a crítica do deputado. Não foi a comunidade judaica, mas a comunidade negra. Ele escolheu a dedo: as comunidades quilombolas, símbolo de resistência negra ao racismo e um importante legado de luta contra a escravidão. São as comunidades quilombolas que vem sofrendo diversos ataques aos seus direitos desferidos por alguns integrantes do parlamento brasileiro.

Com o teor da fala racista, retrógrada e que demonstra total desconhecimento histórico e político sobre as comunidades quilombolas no Brasil, o deputado conseguiu o que queria: visibilidade, ocupar espaço na mídia e nas redes sociais, destilar o seu ódio e o seu veneno, irritar as pessoas do campo emancipatório e, principalmente, ofender negras e negros. É por isso mesmo que o seu comportamento merece uma análise mais detalhada.

Estamos em momento de golpe: parlamentar, jurídico, midiático, fundamentalista, de classe, gênero, raça e com orientação heteronormativa. Os conservadores saíram do túmulo, guiados pela figura vampiresca que usurpou o governo federal e por todas e todos que aceitaram fazer parte do seu governo. Nesse momento, um projeto de poder conservador e da direita está em curso, com destaque para grupos considerados sem a menor condição de representar a sociedade brasileira. O tal deputado faz parte desse grupo, logo, se sente acima das leis, dos direitos e da humanidade de outras pessoas.

Não é coincidência estar em um espaço judaico, com tudo o que esse povo sofreu devido a uma interpretação racista, eugenista e excludente de raça e vociferar contra outro grupo racial. Ora, na própria postura e escolha do lugar e da fala, o deputado exalava o núcleo básico do racismo: a idéia de que existem raças superiores e inferiores. Como se diz em Minas: aproveitou para fazer graça com o chapéu alheio. Ou seja, usou os 300 judeus que o aplaudiram dentro da Hebraica e que são herdeiros de um povo que lutou contra o racismo, para divulgar e aplaudir o seu discurso de ódio.

O deputado precisava de um palanque que o legitimasse: ora, nada melhor do que falar contra negros e quilombolas em um espaço branco, judeu e de classe média.

É assim que o projeto de direita e conservador quer vingar: reinando para dividir. É justamente isso que não podemos deixar acontecer.

Precisamos superar essa explicitação racista mostrando que estamos juntos na luta emancipatória. E que mexeu com um de nós, mexeu com todos. Mexeu com quilombolas, mexeu com judeus. Mexeu com quilombolas e judeus, mexeu com as brasileiras e brasileiros que lutam pela emancipação social e a democracia.

O que resta a fazer com o tal deputado a Coordenação Nacional das Comunidades Quilombolas já está fazendo: entrando com uma ação na justiça. As deputadas e deputados federais coerentes com um projeto emancipatório de Brasil deverão entrar com representação contra ele no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar.

O que não dá agora é para ficar repercutindo a fala, o áudio e o vídeo da explicitação de racismo desse senhor.

Em contrapartida, devemos nos unir na luta quilombola pelo direito ao território, a sua ancestralidade, a sua cultura e a sua negritude. Se queremos gravar vídeo que seja de apoio à luta quilombola e ao reconhecimento da sua história, ao apoio a luta antirracista de negras e negros que deve ser a luta de todos nós. Devemos denunciar o que o governo golpista quer fazer com o direito às terras quilombolas, o apagamento do INCRA desde que acabaram com o Ministério do Desenvolvimento Agrário, o Ministério do Desenvolvimento Social e o Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos.

Contrapor os argumentos racistas com fatos de luta democrática. E acionar a justiça para que esse senhor tenha que responder a mais uma ação pelos seus impropérios. Temos que compreender que a corrida para 2018 está em curso na direita. Não podemos ser, nós, do campo da emancipação social, palanque para propaganda racista desse e de outros parlamentares que estão no Congresso.

Esse deputado e seus atos têm o meu total repúdio. Aqueles que discordam da sua postura têm o meu apoio. E os quilombolas têm o meu total respeito, admiração e espírito de luta à sua disposição.

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