Relatório divulgado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) indica aumento da violência no campo. Desde meados da década de 1980, foram registrados 1.509 assassinatos.

Foto: João Zinclar.

Movimentos sociais estão em alerta com o aumento da violência apontado no Relatório Conflitos no Campo Brasil – 2020, lançado no dia 31 de maio pela Comissão Pastoral da Terra (CPT). O documento apresenta uma elevação de 8% no número de casos em relação ao ano anterior, chegando a 2.054 registros e o envolvimento de quase 1 milhão de pessoas, e o maior número de conflitos por terra, invasões de territórios e assassinatos em conflitos pela água desde 1985.

Desde meados da década de 1980, essa pesquisa registrou 1.509 casos de assassinatos, sendo 1.991 vítimas, em sua maioria lideranças sociais no campo e nas florestas. Boa parte desses homicídios ocorreram em massacres (55 com cerca de 280 vítimas em 11 estados). Este ano completou 25 anos do histórico massacre de Eldorado dos Carajás (PA), no qual morreram 21 agricultores (as) sem terra. Os números apresentados no relatório lançado equivalem a uma média diária de 4,31 conflitos por terra, que envolveram 171.625 famílias brasileiras. 

De acordo com Andreia Silvério, da coordenação nacional da CPT, dados como esses são emblemáticos para demonstrar o nível de violência, muitas vezes promovida pelo próprio Estado, para favorecer interesses particulares. Mesmo com a pandemia, no ano passado, a população do campo seguiu sendo ameaçada de despejos, expulsões ilegais, agressões físicas e invasão de seus territórios.

“Os povos alvo dessa violência são indígenas, posseiros, quilombolas, pescadores, agricultores, ribeirinhos, sem-terra. Dados prévios do Caderno Conflitos no Campo Brasil 2020 indicam que cerca de 60% das ocorrências foram registradas na Amazônia Legal, o que está diretamente relacionado com o projeto destrutivo promovido por Bolsonaro que favorece a grilagem, exploração predatória e ilegal promovida por invasores de terras públicas, territórios indígenas e unidades de conservação”, afirmou Silvério.

Ofensiva aos indígenas 

Os povos indígenas também estão atentos ao aumento da violência, explicou Alberto Terena, da aldeia Buriti, no Mato Grosso do Sul, que faz parte da coordenação executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB). Segundo ele, o atual presidente do Brasil já falava, desde o período eleitoral, que não demarcaria um centímetro de terra indígena e sempre incentivou o garimpo, o que aumenta o conflito nos territórios. Um exemplo nesse sentido, de acordo com Alberto, foi a tentativa do presidente de passar a Funai para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) logo no primeiro ato de governo e depois colocar à frente do órgão alguém de acordo com os seus interesses e sem compromisso com a proteção dos indígenas, complementou.  

 “Ele deixou claro seu empenho em desestruturar os órgãos de governo que estariam ali para apoiar e incentivar as demarcações de terras e proteção aos indígenas do nosso País. É um momento crítico de investida contra o nosso povo, enquanto temos invasões de madeireiros, garimpeiros, ataques constantes pelos que se acham no direito [de realizar esses ataques], devido aos incentivos do governo. A APIB tem se manifestado no Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar barrar essas violações neste período de pandemia”, destacou.

A desassistência do governo durante a pandemia tem acarretado também a perda de muitas vidas, como o exemplo de lideranças históricas, dentre elas o Cacique Aritana Yawalapiti e Paulo Paiakan, que não resistiram à  Covid-19. As comunidades têm realizado barreiras sanitárias de forma independente em algumas aldeias para proteger seus povos e ao menos amenizar a situação. Os movimentos continuam lutando, independente dos governos, e estão preocupados com a destruição das florestas.      

Ataque aos Sem-Terra

Os dados dos relatórios, a partir de 2019, ano em que o presidente Jair Bolsonaro tomou posse do governo, apontam que os índices de violência e conflito no campo aumentaram em relação aos últimos 10 anos. A avaliação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Teto (MST), é que o atual governo estabeleceu um marco temporal em relação à reforma agrária para decidir quem pode ou não ser identificado como beneficiário.

“Levando em consideração a concentração de terras no País, que reflete a extrema violência contra aqueles que se organizam para reparti-la, a tendência é ocorrer mais conflitos no meio rural”, explica Ayala Ferreira, integrante do setor de direitos humanos do MST. Moradora do Pará, ela relata que quase um terço dos registros de violência aconteceu na região Norte, evidenciando  a negação das possibilidades desses trabalhadores (as) do campo de reproduzirem sua existência por meio da agricultura e organização camponesa.

“A concentração da terra tem a violência como sua expressão concreta. Vivemos um conjunto de ações que tentam aprofundar ainda mais essa realidade. O País vive a hegemonia do agronegócio, cujo modelo impõe uma série de restrições e contradições para a sociedade brasileira: impactos ambientais, perda da soberania alimentar etc. Coloca nosso País dependente dos mandos e desmandos do mercado agrícola, dominado por cerca de seis transnacionais. Ao mesmo tempo que cresce o monocultivo de grãos, milhões de trabalhadores passam fome ou sofrem com a insegurança alimentar”, destacou Ayala. 

Para exemplificar esta preocupação, a militante reforçou que o governo bloqueou por completo a reforma agrária e suspendeu vistorias e arrecadações de terras em mais de quatrocentos processos, muitos deles já avançados. Pessoas acampadas há mais de dez anos não são consideradas prioritárias nos editais. Há um ataque sistemático aos assentamentos, inclusive durante a pandemia, a suspensão de programas para o desenvolvimento da agricultura familiar e o favorecimento a latifundiários que reivindicam indenizações maiores nas ações judiciais da reforma agrária sobre suas terras. Há um processo de mercantilização da terra e a entrega de pastas importantes da reforma agrária aos setores com interesse no agronegócio, de modo a bloquear qualquer diálogo dos movimentos com o estado brasileiro.

Leia o relatório na íntegra aqui.

(*) Revisão: Viviane Brochardt