Audiência pública sobre vinícolas e trabalho escravo. Foto: Thanise Melo (Ivan Braz, FNG – Frente Negra Gaúcha) / Alma Pret

Por Maria Vitória de Moura

As vinículas da Serra Gaúcha, Salton, Garibaldi e Aurora, acusadas de utilizar mão de obra em condições análogas à escravidão, não compareceram à audiência pública da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul sobre combate ao trabalho escravo na região.

Ligadas à empresa tercerizada Fênix Serviços Administrativos e Apoio à Gestão de Saúde LTDA – autuada por manter 207 trabalhadores em condições precárias de hospedagem, higiene e alimentação – as vinículas justificaram a ausência através de notas, nas quais dizem estar se concentrando integralmente em colocar em prática os compromissos assumidos no Termo de Ajuste de Conduta (TAC) firmado com o Ministério Público do Trabalho (MPT).

O termo ao qual as empresas se referem foi firmado com o MPT no dia 09 de março. No acordo, as vinículas assumiram 21 obrigações para aperfeiçoar a fiscalização das condições de trabalho, a fim de garantir os direitos dos trabalhadores próprios e tercerizados. Segundo o MPT, o descumprimento de cada cláusula é passível de multa de até R$ 300 mil, que passaram a valer imediatamente após a assinatura do acordo.

Também foi definido no TAC o pagamento de R$ 7 milhões em indenizações, valor dividido proporcionamente entre as três empresas conforme o uso de mão de obra análoga à escravidão. Assim, a Aurora pagará R$ 916 mil, a Salton R$ 716 mil e a Garibaldi R$ 366 mil. Desse total, R$ 2 milhões serão pagos aos trabalhadores e os outros R$ 5 milhões serão destinados a entidades, fundos ou projetos escolhidos pelo MPT. Os termos e o pagamento da indenização é, na visão do MPT, uma forma de garantir a punização de toda a cadeia produtiva ligada ao trabalho escravo.

Na audiência estiveram presentes entidades públicas, representantes do movimento negro e organizações da sociedade civil, a fim de discutir o conjunto de violências e agressões sofridas por 207 trabalhadores, em sua maioria da Bahia, sendo que 95% deles são jovens com menos de 30 anos e negros.

“Nunca tinha visto um pacote tão completo de agressões àqueles trabalhadores. Eles tinham vindo com falsa promessa, chegaram aqui com dívida de banho, de alimentação do período em que chegavam. Eles tinham anotado o valor dos equipamentos de proteção individual que usavam, porque, se acontecesse alguma coisa, eles teriam que pagar. Eles não receberam, no período inteiro em que trabalharam, nenhum salário”, disse Vânius Corte, gerente-regional do Ministério do Trabalho e Emprego de Caxias do Sul.

Já o deputado estadual Guilherme Pasin (PP), ex-prefeito de Bento Gonçalves, saiu em defesa das vinículas que não compareceram. “Ninguém aqui está passando pano em nada, mas nós temos que ter a responsabilidade de buscar resolver esse problema, criar lastro futuro para que não mais ocorram, sendo justos”.

Representante do Movimento Negro Unificado (MNU), Felipe Teixeira, reforçou que a flexibilização dos direitos trabalhistas proporciona cada vez mais o trabalho escravo contemporâneo. “Isso é o fruto do capitalismo. A essência do capitalismo é exploração para ter mais lucro, então é essa questão que está em jogo. O que deveria ser analisado é a responsabilidade das empresas que não cumprem a autorização trabalhista”.

Alguns nomes da luta antirracista no Rio Grande do Sul também estiveram presentes na audiêndia, entre eles Ubirajara Toledo, do IACOREQ (Instituto de Assessoria as Comunidades Remanescentes de Quilombo); Luis Mendes, do Sindjus (Sindicato dos Servidores da Justiça do Rio Grande do Sul); Ivan Braz, da FNG (Frente Negra Gaúcha); Dilmair Monte, da Unegro; e Onir Araújo, da Frente Quilombola.

Durante uma audiência virtual realizada na quinta-feira (3) com representantes do MPT da Bahia e do Rio Grande do Sul, a empresa terceirizada Fênix Serviços Administrativos e Apoio a Gestão de Saúde LTDA recebeu uma proposta de pagamento de R$ 600 mil em indenizações individuais para os 207 trabalhadores resgatados. Mas, a empresa recusou o acordo e não reconheceu a situação dos trabalhadores como análoga à escravidão. A empresa apresentou apenas documentos que comprovam o pagamento de verbas rescisórias, no valor de R$ 1 milhão.