Quantidade de carbendazim, amplamente utilizado no Brasil, apesar de proibido, pode ser medida a partir da criação dos pesquisadores da Universidade do Estado de São Paulo

Foto: reprodução/USP

Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) desenvolveram um sensor eletroquímico de papel kraft capaz de detectar em tempo real a presença de pesticida em frutas e verduras. Ao entrar em contato com maçãs ou repolhos, por exemplo, o sensor, ligado a um dispositivo eletrônico, identifica a presença e mensura a quantidade do fungicida carbendazim – amplamente utilizado no Brasil, apesar de proibido.

Sensor de papel detecta agrotóxico em alimentos de modo rápido e barato

Dispositivo criado na USP se assemelha a um medidor de glicose usado por diabéticos; ao entrar em contato com a superfície de frutas e legumes, ele identifica e mensura a quantidade do fungicida carbendazim – amplamente empregado no Brasil, apesar de proibido

O trabalho, apoiado pela FAPESP envolveu grupos dos institutos de Física (IFSC-USP) e de Química (IQSC-USP) do campus de São Carlos. Os resultados foram divulgados na revista Food Chemistry.

“Para verificar a presença de pesticidas em alimentos por meio de abordagens convencionais é preciso triturar uma amostra, submetê-la a processos químicos demorados para só então detectar a substância. Os sensores vestíveis, como o que desenvolvemos para o monitoramento contínuo da concentração de pesticidas na agricultura e na indústria de alimentos, eliminam a necessidade desses procedimentos complexos. Fica muito mais fácil, barato, além de ser muito mais confiável para um supermercado, restaurante ou importador fazer a verificação”, afirma Osvaldo Novais de Oliveira Junior, professor do IFSC-USP.

O novo dispositivo tem grande sensibilidade e se assemelha aos medidores de glicose [glicosímetro] utilizados por diabéticos. Para medir a quantidade de agrotóxico em alimentos, o sensor eletroquímico capta a presença do fungicida e o resultado pode ser acessado, em questão de minutos, por meio de um aplicativo de celular.

“Nos testes que realizamos, o dispositivo teve sensibilidade semelhante à do método convencional. Tudo de uma forma mais rápida e barata”, conta José Luiz Bott Neto, pós-doutorando e autor correspondente do artigo que descreve o desenvolvimento da ferramenta.

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Como funciona

Como explica Bott Neto, o dispositivo é basicamente um substrato de papel modificado com tinta de carbono e submetido a um tratamento eletroquímico em meio ácido para a ativação de grupos carboxílicos – o que permite fazer a detecção.

“Utilizamos o mesmo sistema empregado na serigrafia [estamparia de roupas] para fazer a transferência da tinta condutora de carbono para a tira de papel kraft, criando assim um dispositivo baseado em eletroquímica. O dispositivo é confeccionado com três eletrodos de carbono e mergulhado em uma solução ácida para a ativação dos grupos carboxílicos. Em outras palavras, átomos de oxigênio são adicionados na estrutura do eletrodo de carbono. Ao entrar em contato com uma amostra contaminada com carbendazim, o sensor induz uma reação de oxidação eletroquímica que permite a detecção do fungicida. Assim, a quantidade de carbendazim é medida via corrente elétrica”, explica Bott Neto à Agência FAPESP.

Para desenvolver o dispositivo, os pesquisadores avaliaram a estabilidade e o impacto da estrutura do papel na construção dos sensores. “Além do desenvolvimento do dispositivo, o trabalho teve uma parte voltada para entender a questão das propriedades do papel na fabricação do dispositivo”, conta o pós-doutorando Thiago Serafim Martins.

Melhor opção

Os pesquisadores analisaram dois tipos de papel: o kraft e o pergaminho. Ambos se mostraram estáveis o suficiente para a construção dos sensores. Porém, segundo Martins, a natureza porosa do papel kraft conferiu maior sensibilidade ao sensor e aos grupos carboxílicos formados durante a ativação eletroquímica.

Ele explica que a fabricação dos eletrodos em papel abre a possibilidade para diversas aplicações. “Existem eletrodos comerciais feitos com plástico ou cerâmica. No nosso trabalho, conseguimos desenvolver sensores eletroquímicos com papel, um material muito mais maleável, o que amplia o seu uso em vários campos, não apenas na agricultura ou no setor alimentício, mas em outras áreas como a da saúde, por exemplo”, diz.

Uso de agrotóxicos quase duplicou nos últimos 30 anos

No Brasil, 49% dos agrotóxicos utilizados legalmente são considerados altamente perigosos. Desde 2019, foram aprovados no Brasil 1.682 novos produtos agrotóxicos, desses mais de 44% foram banidos da União Europeia. Entre esses, o glifosato, agrotóxico mais utilizado nas culturas brasileiras e banido da UE por ser considerado cancerígeno. A atrazina, quinto agrotóxico mais vendido no Brasil, foi banida do bloco por ser um desregulador hormonal.

O uso de herbicidas na cultura da soja brasileira triplicou de 2002 a 2012, passando para 230.000 toneladas por ano, com aumento, principalmente, da aplicação do glifosato. Apesar desse aumento drástico nas taxas de herbicidas aplicados, os rendimentos por hectare aumentaram apenas cerca de 10%.

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Enquanto que o rendimento aumentou de maneira ínfima, apesar de o uso de agrotóxicos ter aumentado drasticamente, não apenas no Brasil, mas em grande parte do mundo, as mortes por contaminação de agrotóxicos, assim como casos de doenças crônicas, como Parkinson, leucemia, câncer de fígado e mama, diabetes tipo 2, asma, alergias, obesidade e distúrbios endócrinos, registraram um aumento preocupante e uma clara ligação com o uso de agrotóxicos.

O número total de mortes em todo o mundo por envenenamentos não intencionais por pesticidas é estimado em cerca de 11.000 por ano. Os agricultores correm um risco maior de ficarem expostos a pesticidas, mas as substâncias também podem representar riscos para pessoas fora do setor agrícola, pois os pesticidas são móveis e difíceis de controlar, contaminando facilmente a água, o solo, o ar e os alimentos.