Como é ser um homem trans no meio da mídia musical, por Lucas Rodrigues

Foto: @caesisa

Por Lucas Rodrigues

Vivendo à margem, encontrei no hip hop um refúgio. Ele me foi apresentado por sempre lutar pelas causas sociais, juntando quem vive à margem, combatendo o preconceito… Bom, desde que o rap chegou à minha vida, ele me foi apresentado assim, como um abraço nesse mundo desigual e era pra ser. Porém, há muito mais exclusões se seguirmos e entendermos a ideia do privilégio em ser homem dentro de uma cultura machista.

Mas no decorrer dos anos, o refúgio se tornou um caos. Quando você começa a perceber a sua exclusão dentro de uma cultura que prega união e tendo o privilégio de ser homem, algo está errado, né?

No final de 2015, início de 2016, nascia o “Sintonia Rap” que era o antigo nome da mídia que fundei, atualmente Vandalize. A mudança de nome ocorreu no final de 2017 e esse novo nome vem muito por eu ser grande admirador de Vandal e porque o “Sintonia Rap” não era um nome impactante pra mim.

Já é difícil ser um homem trans na sociedade, já é triste ser transexual no Brasil, o país que mais mata transexuais no mundo. E no hip Hop, no rap não seria diferente. Os olhares, a transfobia travestida de brincadeira, a negação da nossa identidade mata!

O meu corpo é…

Ele é só um corpo, as pessoas veem a gente assim, somente como um corpo e não seria diferente no rap, onde a cultura era pra ser um abraço.

Nessa eu comecei a entender a exclusão sobre pessoas como eu dentro do movimento, compreendendo também que antigamente havia pouca informação. Mas hoje é diferente, hoje temos acesso à internet, redes sociais, temos acesso ao Vandalize! E ainda assim, falando por mim, Lucas Rodrigues, vejo que o hip hop tapa os olhos. Informação a gente tem, é só buscar. Informações rápidas, inclusive. E eu faço esse trabalho de pesquisa e de trazer pessoas trans no mundo da música, principalmente no rap. Mas o próprio movimento ofusca até o meu trabalho por causa de preconceito, transfobia, lgbtfobia.

Foto: ©caesisa

E ser homem trans na mídia digital tem diversas dificuldades. Tem gente que não consome o Vandalize por causa disso, muitas portas já foram fechadas por eu ser um homem trans.

As pessoas não veem meu trabalho. Na verdade veem, mas não querem enxergar. Não querem enxergar que faço um conteúdo bom, não querem enxergar que um homem trans dá visibilidade para outras pessoas trans, para outras pessoas LGBTQIA+. As pessoas se fazem de cegas pra minha sigla, as pessoas dentro do hip-hop se fazem de cegas pra mim. Tudo vai ser mais difícil pra mim, eu já sabia, e dentro do rap não seria diferente, mesmo eu imaginando que seria meu aconchego, meu abraço, mas infelizmente não é. É exclusão! Amar uma cultura que te fere, te exclui, que te oprime.

É surreal como uma cultura que defende a inclusão, que protesta contra diversas violências, é também violenta.

Porém, sigo minha caminhada tendo essa necessidade, é muito doloroso, muito difícil, muito adoecedor estar num movimento que te exclui. É um relacionamento tóxico você amar algo que te faz mal. E ainda assim eu insisto, insisto em informar, insisto em falar sobre, insisto em tentar ser visto mesmo a cultura me oprimindo muito, uma cultura que era pra apoiar, unir, abraçar, mas é um movimento que exclui, que oprime, que deixa a gente doente.

E quando eu falo cultura/movimento, eu estou falando de uma parcela grande, mesmo existindo pessoas que me abracem e abracem meu trabalho. Grande parte das pessoas envolvidas no rap nos exclui. É só fazer uma pesquisa rápida, até mesmo com enquete no Instagram de diversos artistas que o público ouve. Em sua maioria nessas enquetes se confirma o preconceito, porque eu já fiz ela.

Vocês podem não querer enxergar, podem se fazer de cegos, mas não podem falar que o Vandalize não resiste, que o Vandalize não dá visibilidade para pessoas trans, que o Vandalize não dá visibilidade para comunidade LGBTQIA+ porque eu tô na rua, sou uma mídia independente, é nítido o meu trabalho, é nítido o meu esforço.

Resisto até hoje pra levar conhecimento mesmo às pessoas que ainda estão fechadas, mas não tem como não ver o meu trabalho, o meu esforço. Eu sou um homem trans, preto e periférico na mídia independente do rap baiano. Quem é mídia independente sabe o quanto é complicado. Só que pra mim é 3x mais angustiante. Mas mesmo assim sigo na rua, trazendo conteúdo, falando dos meus. E ainda vão achar esse texto vitimista…

Mas vocês sempre vão ver o Vandalize batendo nessa tecla, e eu acredito que eu deva continuar nesse trabalho por mim, pelos meus.