“Como apenas sim significa sim e não significa não, não pode ser que ‘não, não sem camisinha’ signifique ‘sim, sem camisinha’”, escreveu a juíza do caso

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Publicado originalmente em Washington Post

A decisão envolve o caso de um canadense acusado de não usar preservativo contra a vontade de sua parceira. Advogados e defensores dos direitos humanos saudaram a decisão como “significativa” e “fundamental para o direito à autonomia sexual”.

“Este é um desenvolvimento importante para mulheres e outras pessoas que fazem sexo com homens”, disse Isabel Grant, professora de direito da Universidade da Colúmbia Britânica, especializada em violência de parceiros íntimos masculinos contra mulheres e agressão sexual.

“A decisão é internacionalmente significativa”, disse ela. “Há agora uma declaração clara na lei canadense de que o “stealthing” – a remoção enganosa de um preservativo durante o sexo – constitui agressão sexual”.

A denunciante do caso, uma mulher cujo nome não foi divulgado, diz que conheceu Ross McKenzie Kirkpatrick, de Colúmbia Britânica, província localizada no extremo oeste do Canadá, online em 2017. Os dois se encontraram em março daquele ano por cerca de duas horas antes de decidirem fazer sexo. De acordo com o depoimento da mulher, ela disse ao acusado que insistia em usar camisinha, e ele concordou.

Eles se encontraram novamente em sua casa e fizeram sexo outras duas vezes, a primeira vez com camisinha, disse ela a um tribunal em 2018. Na segunda vez, segundo a Suprema Corte, o denunciante não sabia que Kirkpatrick não estava usando camisinha porque estava escuro.

Kirkpatrick alegou que perguntou “você se sente melhor do que da última vez?”, em referência à falta de uso de preservativo, mas a vítima disse que pensou que ele estava se referindo à posição sexual. Ele foi acusado de agressão sexual e foi absolvido em 2018, depois que o juiz de primeira instância disse que não havia provas de que a mulher não tivesse consentido no ato físico da relação sexual, independentemente do uso de preservativo.

Mas o Tribunal de Apelação da Colúmbia Britânica ordenou um novo julgamento, concluindo que o primeiro juiz estava errado ao rejeitar a acusação de agressão sexual com base na falta de provas. O Sr. Kirkpatrick recorreu à Suprema Corte do Canadá.

Kirkpatrick pediu ao juiz que aplicasse a decisão da Suprema Corte em um caso de 2014 ao estabelecer a definição de consentimento. O caso de 2014, R v. Hutchinson, envolveu uma mulher que consentiu em fazer sexo com o namorado, Craig Jaret Hutchinson, apenas se ele usasse preservativo. Hutchinson furou a camisinha e engravidou a namorada. Ele foi condenado por agressão sexual, e sua condenação foi confirmada pelo tribunal superior com a maioria dos juízes argumentando que a não utilização do preservativo constituía fraude.

O Sr. Kirkpatrick argumentou que, ao contrário de Hutchinson, não havia evidência de fraude em seu caso.

Mas falando em nome da maioria dos juízes da Suprema Corte, a juíza Sheilah L. Martin disse que quando o uso do preservativo é uma condição para a relação sexual, “não há acordo para o ato físico de relação sexual sem preservativo”. O preservativo torna-se parte da “atividade sexual em questão” e deve ser considerado separado e igualmente ponderado ao consentimento sexual comum.

“Como apenas sim significa sim e não significa não, não pode ser que ‘não, não sem camisinha’ signifique ‘sim, sem camisinha’”, escreveu Martin.

Pam Hrick, diretora executiva do Women’s Legal Education and Action Fund, disse que a decisão “é uma declaração importante de que os parceiros sexuais devem respeitar a decisão de insistir no uso do preservativo durante o sexo”.

Ela acrescentou: “Isso é fundamental para o direito à autonomia e igualdade sexual”.

O tribunal decidiu que Hutchinson não se aplica a Kirkpatrick, mas ainda se aplica em casos envolvendo sabotagem e fraude de preservativos.

Em maio, uma mulher na Alemanha foi considerada culpada de agressão sexual por furar os preservativos de seu parceiro. Um tribunal alemão comparou as ações da mulher ao “stealthing”.

Na Grã-Bretanha, o “stealthing” é considerado estupro, mas só houve um processo bem-sucedido, em 2019, segundo a BBC. Uma lei da Califórnia aprovada em 2021 tornou o “stealthing” uma ofensa civil, permitindo que as vítimas processassem os autores no tribunal.