Por Noé Pires

O Grupo Jaguaribe Carne de Estudos, fundado em 1974 na cidade de João Pessoa, Paraíba, é muito mais do que um movimento artístico-cultural; é uma verdadeira força de resistência e renovação no cenário cultural brasileiro. Fundado pelos irmãos Pedro Osmar e Paulo Ró, o grupo já atravessou mais de quatro décadas de atuação, deixando um impacto profundo na música, poesia, artes plásticas e muito mais.

O Jaguaribe Carne é conhecido por seu compromisso com o que eles chamam de “guerrilha cultural”. Essa abordagem abraça a produção artística em diversas linguagens, indo muito além da música. O grupo não apenas cria obras inovadoras, mas também se envolve diretamente em projetos sociais, culturais e educacionais que impactam positivamente a comunidade. Eles acreditam que a cultura não deve ser algo distante, mas sim uma força transformadora que todos podem vivenciar e participar.

A trajetória do Grupo Jaguaribe Carne é marcada por uma série de aspectos distintivos. Inicia-se com a biografia dos irmãos fundadores, Pedro Osmar e Paulo Ró, cujas jornadas pessoais se entrelaçam com a história do grupo. O início das atividades do Jaguaribe Carne representou um marco na cena cultural da Paraíba e do Brasil, desafiando as convenções estabelecidas.

O período em que o Jaguaribe Carne surgiu coincidiu com os anos de regime militar no Brasil. Nesse contexto, o grupo desempenhou um papel importante como voz de resistência, oferecendo uma alternativa cultural que desafia o status que se tornava um farol para aqueles que buscavam expressar-se livremente. Eles enfrentaram censura e repressão, mas nunca deixaram de criar e se expressar.

O movimento Jaguaribe Carne não estava isolado; ele fazia parte de uma cena cultural mais ampla que incluía os “alternativos”, o movimento do “desbunde” e a Tropicália. Eles dialogam com esses movimentos, compartilhando ideias e inspirações enquanto mantinham sua identidade única.

A música do Jaguaribe Carne é uma fusão única de influências, incorporando elementos do nordeste brasileiro com experimentações ousadas. Esse hibridismo musical é uma ferramenta teórica essencial para entender sua obra. Composições presentes no LP Jaguaribe Carne Instrumental e no CD Vem no Vento são exemplos notáveis dessa fusão, desafiando as fronteiras musicais convencionais.

Em uma entrevista exclusiva para o S.O.M (Sistema Operacional da Música), o canal de música da Mídia NINJA, Paulo Ró (@paulorooficial), um dos fundadores do Grupo Jaguaribe Carne de Estudos, compartilhou insights valiosos sobre os avanços e desafios enfrentados pelo movimento ao longo de sua história. Ele destacou a importância fundamental do movimento em um contexto marcado pela ditadura militar no Brasil.

Paulo Ró iniciou a entrevista abordando o contexto histórico em que o Grupo Jaguaribe Carne emergiu. Ele enfatizou que a ditadura militar no Brasil foi um período de repressão e censura, no qual as expressões artísticas e culturais estavam sob escrutínio constante. Nesse cenário, o Jaguaribe Carne surgiu como uma vanguarda cultural, desafiando as normas e ousando expressar sua criatividade de maneiras não convencionais. 

“Nós nunca deixamos de compor, de fazer música seja ela com letra ou instrumental por causa da censura, a gente sempre fazia, claro que tivemos muitas músicas que foram censuradas, as pessoas da censura na época da ditadura, eles vinham atrás mesmo procurar saber que música era aquela e diziam que não podia fazer, não podia fazer aquela frase, aquela letra, “o que é que vocês tão querendo com isso?” essas coisas de ditadura mesmo, sabe? Eu inclusive tive um show que todas as letras do show foram censuradas. Um detalhe é que os camaradas só liberava as músicas no dia do show, e aí você não tinha mais o que fazer ou você fazia o show ou você não fazia o show. Esse show se transformou num show de música experimental eu dizia o título da música, e a gente fazia um som improvisado uma coisa que teve que ser experimental na hora. Então foi muito difícil, e é muito difícil, as pessoas não têm noção do que é uma ditadura militar e fica dizendo que quer que volte a ditadura, eles não sabem nem o que é uma ditadura, mas como dizia aquele personagem de Chico Anísio: “a ignorância que atravanca o progresso”, comenta Paulo Ró.

Paulo Ró explicou como o grupo viu a resistência através da criatividade como um ato de coragem e de resistência política. Eles acreditavam que a cultura não poderia ser controlada ou cerceada, e, portanto, usaram sua arte como uma ferramenta para desafiar a opressão e dar voz a temas que muitas vezes eram reprimidos.

“É assim, o legado da música do Jaguaribe carne é duradouro, está sendo duradouro e vai ser duradouro porque nós temos muitas pessoas que admiram nosso trabalho e a nossa coragem, o exemplo disso é o nosso disco “Jaguaribe Carne Instrumental”. No ano passado, eu recebi um telefonema de uma pessoa lá do Rio de Janeiro, ele tem um canal de podcasts chamado “Disco Voador”,  dizendo que queria fazer uma entrevista comigo sobre o LP do Jaguaribe Carne isto é o LP que foi lançado em 93, e até hoje as pessoas falam desse disco porque ele é um disco totalmente fora do padrão musical, nele aquela história da “guerrilha cultural”, da vanguarda popular, da mistura, do liquidificador… é muito presente, são ritmos tradicionais, ciranda, coco de roda, baião, bumba meu boi, samba e as músicas são músicas atonais entendeu? Não tem nenhuma música normal, com melodia normal, não tem, ele é todo feito com música atonal, eu costumo dizer normalmente que é um grupo folclórico acompanhado de um grupo de música de vanguarda fazendo música contemporânea, esse disco virou referência para músicos e compositores, além dele tem o disco “Vem no vento” que é o registro da história de nossa produção musical, um disco que tem a participação de muitos artistas como: Lenine, Zeca Baleiro, Elomar, Xangai, Chico César,  Célio Barros, Vital Farias, Elba Ramalho, Thomas Rohrer,  além do pessoal de casa né? Totonho, João Linhares, Lula Queiroga, Ivan Santos, Xisto Medeiros e o Quinteto da Paraíba. O disco foi feito cooperativamente, as pessoas foram convidadas para participar e vieram prontamente, cantaram as músicas que eles gostavam entendeu? Aí assim, eu acho que esse legado do grupo Jaguaribe Carne vai continuar até porque a Juventude, alguns grupos de jovens músicos gostam muito dessa música que a gente faz e são sempre convidados para participar dos performances musicais e vão lá tocando sabe, dão opinião e inventam junto com a gente participa e eu espero que isso role por muito tempo.” comenta Paulo Ró. 

“Em meados da década de 70, Pedro Osmar participava de festivais de música da Paraíba e nesse período a gente, quer dizer, ele mais do que eu porque, eu ainda era muito jovem né, Pedro Osmar começou a experimentar coisas novas, sonoridades novas para uma música que ele pensava estar normal demais, poderíamos dizer assim né? E aí em 1975, 76, a gente começou já com a minha participação, fazer experimentações sonoras em casa é sons de lata de leite com a água, a gente botava um monte de lata, uma lata em cima da outra aí derrubava dentro de casa e gravava né e ficava curtindo essa coisa da experimentação sonora, além de tocar violão de um jeito mais acentuado vamos dizer assim, até hoje eu ainda tenho esse jeito de tocar um violão que é meio, sei lá, foi forte é meio, violento batia com muita força no instrumento, e Pedro começou a fazer experimentações com música atonal e aí ouvindo aquilo disse rapaz esse negócio aqui é interessante e começamos a compor utilizando essa  vertente da música contemporânea que foi e é muito interessante até hoje”, explica Paulo Ró. 

Ele também destacou o papel transformador da cultura na sociedade. Durante a ditadura militar, o Jaguaribe Carne não apenas se concentrou na produção artística, mas também se envolveu em projetos sociais, educacionais e culturais que impactam positivamente a comunidade. Eles acreditavam que a cultura deveria ser acessível a todos, e isso os impulsionou a criar projetos que inspirasse e unissem pessoas.

“Nos crescemos no bairro de Jaguaribe ouvindo e participando de manifestações culturais populares de rua. Em Jaguaribe existiam muitas manifestações folclóricas, carnaval de rua sabe? Os índios, caboclinhos, orquestra de frevo, escola de samba, coco de roda, ciranda, enfim é assim, essa coisa estava entranhada dentro da gente, né? Por que a gente cresceu vendo e ouvindo, vivenciamos essa coisa da música tradicional, durante o nosso crescimento fomos entrando em contato com a música erudita que Osias, meu irmão mais velho trazia, foi no IFPB (antiga escola técnica) lá em Jaguaribe que ele começou a cantar no coral da escola técnica, começou trazer muito disco de música erudita para casa, ele comprava aquelas  coleções que saía antigamente de LP de música de Bach, Beethoven Tchaikovski, Chopin e aquela música enchia nossa casa de uma sonoridade que Adeildo Vieira costumava dizer que a casa da gente era estranha porque uma casa de pau a pique coberta de palha bem estreitinha, assim é de lá que saiam os sons incríveis que ela já tinha escutado quando veio morar em João Pessoa, porque a gente ouvia tudo lá em casa, começamos a ouvir rock,  ouvir musica da Europa, musica africana, indiana, os grandes músicos brasileiros que estavam lançando seus primeiros discos, Hermeto Pascoal, Naná Vasconcelos, Airto Moreira, enfim todo tipo de musica a gente ouvia e ouve até hoje, eu sou uma pessoa muito curiosa com relação a ouvir musica desconhecida até hoje eu tenho esse defeito que eu de ouvir coisas que eu não conheço, a gente é autodidata o nosso estudo foi vivencia que tivemos com a musica que chegavam para a gente”, explica Paulo Ró. 

Paulo Ró ressaltou que, mesmo após décadas, o legado do Grupo Jaguaribe Carne continua a influenciar a cena cultural brasileira. Seu trabalho inspirou muitos artistas a desafiarem convenções e a explorarem novos territórios criativos. O grupo também abriu portas para discussões sobre a liberdade de expressão, o papel da arte na sociedade e a importância da cultura como agente de transformação.

“A criatividade sempre foi uma coisa muito difícil para todo mundo que é criativo né? Que decide viver é essa coisa do “anormal” vamos dizer assim, por que não é fácil pra ninguém, nenhuma pessoa criativa viver num mundo hoje que tudo tem que ser igual tudo tem que ser exatamente igual ao outro, então quando você vê aqueles grupos de  artistas que aparecem na TV cantando que é uma cópia da cópia da cópia da cópia da cópia da cópia da cópia né? Então viver nesse universo é muito difícil por que as pessoas estão se acostumando a ficar ouvindo só cópia da cópia e aí quando chega alguém com alguma coisa diferente, as pessoas acham estranho, muito estranho e não aceitam simplesmente as pessoas não aceitam aquela coisa, ser criativo não é aceito e aí haja força de vontade, haja coragem pra viver e sobreviver junto com a criatividade porque é difícil muito difícil.”

A entrevista com Paulo Ró destaca a extraordinária jornada do Grupo Jaguaribe Carne como uma voz de resistência e criatividade em tempos sombrios. Sua dedicação à cultura como uma força de transformação e seu compromisso com a expressão artística livre continuam a inspirar gerações e servem como um lembrete poderoso de que a cultura é uma voz que nunca deve ser silenciada. O movimento Jaguaribe Carne permanece como um farol de esperança e inspiração na história cultural do Brasil.

“Bom, a gente tá produzindo um trabalho chamado “Isabel 7 cirandas negras” que são letras de música que Pedro fez depois que a nossa mãe faleceu e eu coloquei melodia e a gente tá aí gravando com apoio mais uma vez de pessoas amigas que admiram o nosso trabalho. E é isso, a gente vai continuar fazendo o nosso trabalho devagarinho dentro da mata e quando precisar a gente sai pra fazer às “7 cirandas negras e um apito”, diz Paulo Ró.