“A fome por aqui é muito séria, a todo momento chega a notícia de que o nosso povo está lá no lixão, onde busca o que comer”, desabafa indígena de Dourados

Foto: Manoel Marques

Segundo dados do 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19, lançado pela Rede Penssan ao menos 33 milhões de pessoas no Brasil em 2022 sofreram com a fome, chegando até mesmo ter risco de morte e, quando esses dados chegam até a população indígenas, as violações são ainda mais alarmantes. 

“A fome por aqui é muito séria, a todo momento chega a notícia de que o nosso povo está lá no lixão, onde busca o que comer, é a difícil luta pela sobrevivência, porque a fome é muito grande”, indigna-se a anciã Edite Guarani, uma das lideranças indígenas da Reserva de Dourados (MS), a maior do país, onde vivem cerca de 20 mil pessoas dos povos Guarani Kaiowá, Guarani Ñandeva e Terena, nas aldeias de Bororó e Jaguapiru, além das áreas de retomada.

Em reportagem feita pela equipe do De Olho nos Ruralistas, Roseia Martins, de 35 anos, concedeu uma entrevista enquanto estava no lixão: “Meu primo Beniel, de 22 anos, morreu de fome, ele morava aqui na aldeia Bororó, em Dourados” relata.

Segundo Roseia, em maio deste ano, o primo ficou vários dias sem ter o que comer. Ele pediu comida e ninguém acreditou que ele estivesse nessas condições: Beniel era alcoólatra e ainda sofria os efeitos da falta da bebida. “Uma semana depois de sumido, foi encontrado morto pelos vizinhos, sozinho, dentro do barraco”, conta ela.

“A fome é resultado da desorientação do Estado brasileiro”, pontua Erileide Domingos, de 27 anos, líder da aldeia Guyraroká, entre Dourados e Amambai (MS). “É muita falta de piedade com o outro, de olhar os pobres, sem condições, sem emprego, sem possibilidade de plantar, não conseguimos produzir nada, não conseguimos ser ninguém”, indigna-se Erileide. Na avaliação dela, o governo Bolsonaro desestruturou tudo que tinha sido conquistado pela população mais pobre.

No mês de agosto de 2022, a jovem Erileide esteve na Organização das Nações Unidas (ONU), em Genebra, na Suíça, representando a Grande Assembleia dos Povos Guarani e Kaiowá (Aty Guasu), durante a pré-sessão da Revisão Periódica Universal. Ela fez um balanço da situação dos direitos humanos dos povos indígenas no Brasil, em especial no Mato Grosso do Sul. Cobrou a reconsideração da atual posição institucional acerca da Declaração da ONU sobre as violações perpetradas pelo governo da época.

“As políticas públicas de combate à pobreza e à miséria, entre 2004 e 2013, que reduziram a fome a apenas 4,2% dos lares brasileiros, foram excluídas da realidade brasileira”, avalia Renato Maluf, coordenador da Rede Penssan. Segundo ele, as ações tomadas pelo governo Bolsonaro para contenção da fome foram isoladas e insuficientes diante de um cenário de alta da inflação, sobretudo dos alimentos, do desemprego e da queda de renda da população, com maior intensidade nos segmentos mais vulneráveis.

“A população indígena tem fome de comida, de educação, de saúde, de produção, fome de preservar o meio ambiente, fome de tudo”, avalia o cacique Anastácio Peralta.