André era homossexual e sofria de depressão

Por Rafaela Costa para a Mídia NINJA
Edição: Mídia NINJA

Familiares de André Vaicuclõ Ndili, um jovem da etnia Laklaño Xokleng que se identificava como André Smith, de 21 anos, passaram mais de 24 horas sem apoio ou informações do Corpo de Bombeiros depois que ele se jogou no rio Itajaí-Açu, na Ponte dos Arcos, em Blumenau (SC), na última terça-feira (12). Sem ajuda das autoridades, eles tiveram que convocar parentes de outros municípios para localizar o garoto até encontrar o corpo. 

André era homossexual e sofria um grave quadro de depressão. Ele morava com o companheiro na Aldeia Urbana, prédio público que foi transformado em casa de passagem para indígenas que trabalham ou estudam em Blumenau. De acordo com Nandja Rocha, irmã da vítima, os bombeiros foram acionados logo que André ameaçou se jogar da ponte. Eles chegaram ao local antes do jovem pular, mas a tentativa de resgate foi lenta e finalizou rapidamente, conforme os parentes e comunitários buscados pela reportagem.

“Os bombeiros encheram o bote e esperaram ele afundar pra poder colocar uma pessoa pra mergulhar. Como ontem a correnteza tava forte, os bombeiros falaram que precisavam esperar o nível do rio secar. Mas quando o André ainda estava se debatendo na água, eles não se arriscaram”, disse o companheiro de André, Franciel Reis, que testemunhou o episódio. Ele não descarta que foi houve preconceito de raça e homofobia no tratamento das autoridades. Franciel morava com André em Blumenau.

“Só tinha um bote na água. Um bote! Não tinha mais ninguém, nenhum mergulhador. Nada! Nós perguntamos e falaram que iam esperar o corpo boiar. O que eles estavam fazendo ali? Pra esperar boiar não precisava deles! Se não fosse um indígena eles fariam a mesma coisa?”, questiona Gisele, parente do cunhado de André, a quem considera um primo.

Alguns grupos levaram doações e faixas de protesto na ponte para pressionar o poder público na ação. “A gente conversou com o tenente pelo celular e falaram que iam mandar alguém, mas os familiares disseram que não iam esperar”, disse Franciel. Parentes se deslocaram até Doutor Pedrinho, município que fica a uma hora e meia de distância de Blumenau, para trazer um pequeno barco.

Com descaso de bombeiros, familiares conseguiram uma canoa para fazer as buscas.

Familares fazem a busca pelo corpo de André no rio Itajaí-Açu

O corpo de André foi encontrado por seus próprios familiares, em um barranco às margens do rio, no fim da tarde desta quarta-feira (13). Ele foi levado para o IML e depois seguiu para José Boiteux, cidade onde fica sua aldeia. O enterro será nesta quinta-feira.

A família chegou a registrar Boletim de Ocorrência sobre a situação de descaso, mas não assinou o documento pois discordou das informações escritas pelo agente. Agora irá acionar o Ministério Público e a Funai para dar andamento ao processo.

Diversas testemunhas e pessoas conhecidas da família também compartilharam relatos de indignação nas redes sociais. “Muito triste e mais ainda porque, na verdade, os bombeiros pouco fizeram”, escreveu Karla Lucia Bento.

Mais uma vez, Blumenau mostrou a quem serve e com toda carga de preconceito mantém até hoje o discurso “oficial” da cidade falsamente construída por “alemães”, escreveu Eller Cristine Muller.A família quem teve que recolher o corpo das águas do Itajaí Açú, após muitos esforços em localizá-lo esta tarde. Desde o dia de ontem, não descansaram, emprestaram bote, coletes salva-vidas, boias e cordas. Parte dos familiares que se encontrava na Aldeia, em José Boiteux, desceram para acompanhar”.

“Todas as famílias têm o direito moral de, em momentos trágicos como este,  estarem enlutados, recolhidos com suas dores, enquanto as instituições responsáveis e competentes possam fazer dignamente seus trabalhos. Não foi nada do que observei, ao tratamento dado ao povo xokleng em Blumenau”, disse Aline Lustoza.