Jornalista e indigenista estavam integrados a expedição que foi alvo de ameaça de pescadores ilegais (Reprodução)

 

Foram retomadas as buscas ao indigenista e servidor licenciado da Funai, Bruno Araújo Pereira e ao correspondente do jornal The Guardian, o jornalista Dom Phillips. Eles estão desaparecidos desde a manhã de domingo (5), quando voltavam do Vale do Javari, no Amazonas. A Marinha informou que usa um helicóptero do 1º Esquadrão de Emprego Geral do Noroeste, dois barcos e um jet ski nas buscas.

Segundo O Globo, teriam iniciado na semana passada, uma expedição de vigilância no rio Itaquaí junto a integrantes da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja).

Durante a operação, eles teriam apreendido equipamentos de pescadores que, no sábado, retornaram armados e em maior número ao acampamento da Univaja, instalado pouco depois da base da Funai no rio Ituí, e recuperaram os pertences. Segundo um integrante da Funai que não quis se identificar por temer retaliações, Phillips teria filmado toda a ação dos pescadores armados. Esses pescadores costumam extrair pirarucu ilegalmente das águas da região.

No domingo, Pereira e Phillips saíram sozinhos em uma embarcação rumo à comunidade ribeirinha de São Rafael, onde planejavam se encontrar com lideranças locais. Sem esperar pela escolta, decidiram seguir até Atalaia do Norte. No momento em que sumiu, a dupla estava sozinha numa embarcação conhecida como “voadeira”

O território sofre com as invasões de caçadores e pescadores ilegais e ataques armados a postos de controle da Funai. A omissão do governo federal em relação ao território é tão desoladora que os indígenas criaram uma equipe de vigilância para monitorar, defender reunir provas e qualificar dados para suprir órgãos de fiscalização e controle (leia matéria especial que fizemos sobre a Equipe de Vigilância Vale do Javari).

Nesta segunda-feira (6), a coordenação da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) e o Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas alertaram sobre o desaparecimento dos dois. Em nota as organizações relataram que Bruno e Dom estavam em viagem na região e no dia 3 de junho foram visitar a equipe de vigilância que se encontra em ponto próximo à localidade Lago do Jaburu.

Eles chegaram lá no dia 3 de junho, às 19h25. No dia 5 de junho retornavam para o município de Atalaia do Norte, mas pararam na comunidade São Rafael para conversar com o líder comunitário “Churrasco”. Era por volta de 6h quando chegaram lá.

Então, retornariam na sequência para Atalaia, viagem que nas boas condições que tinham, com barco bom e combustível a contento, realizariam em 2 horas. Sem resposta dos dois, a equipe da Univaja realizou as primeiras buscas. O último avistamento dos dois, segundo a coordenação da Univaja, teria sido ao longo da comunidade São Gabriel, onde passaram de barco pelo rio Itaquaí. Os indígenas relatam que a sofreu ameaças durante a viagem.

PF ouve testemunhas

Ainda nesta segunda-feira, a Polícia Federal ouviu as duas últimas pessoas que se encontraram com o indigenista e o jornalista. A PF não divulgou o nome deles, mas segundo o G1 Distrito Federal, um dos homens é uma liderança indígena e o outro seria um pescador.

Alerta

Em entrevista à CNN, a auxiliar de coordenação da Univaja, Soraya Zaiden, disse que “infelizmente, a gente acredita que possa ter ocorrido algum evento de gravidade maior”, descartando a possibilidade de que tenham se perdido. Ela destacou que Bruno conhece muito bem a região, tendo trabalho lá por vários anos.

“E ele já trabalhou ali por vários anos. O Dom já participou de algumas expedições que Bruno coordenou, principalmente no período que ele estava na Funai. Então não se cogita, essa possibilidade não existe”, disse. Ela reclamou ainda que as buscas foram iniciadas muito tarde. Ela realçou que a região sofre com ações criminosas e que ameaças são uma constante.

“A região é de conflito, temos muitos ilícitos acontecendo, tem tráfico de drogas, região narcotráfica e de fronteira, e temos extração de madeira, pesca ilegal, mineração, tudo isso acontecendo […] isso explica muito as ameaças que nossas equipes vêm sofrendo já há algum tempo”, disse.

Ela narrou que em abril foi feito um boletim de ocorrência notificando as autoridades sobre um caso de agressão dentro do município de Atalaia. “A gente tem reportado constantemente para as autoridades, tanto as evidências de ameaças como também as evidências de invasão na terra que nossas equipes de vigilância têm notificado, documentado e apresentado na forma de relatórios às autoridades para que se tomem alguma providência”, afirmou.

Outro que integra a coordenação da Univaja, Beto Marubo, disse que a equipe ressaltou que recebeu ameaças em campo e que várias denúncias vinham sendo feitas à PF e MPF em Tabatinga, no Amazonas. Desde o início do ano, um inquérito aberto pelo Ministério Público Federal em Tabatinga investiga as ameaças recebidas pelo indigenista Bruno Pereira. As procuradoras Aline Martinez dos Santos e Nathalia Geraldo Di Santo, ambas baseadas no município amazonense, estiveram há duas semanas em Atalaia do Norte para apurar as denúncias.

A mulher de Bruno, a antropóloga Beatriz de Almeida Matos desabafou em entrevista à Folha de S. Paulo que estava muito preocupada devido às ameaças que já vinham sendo feitas ao marido.

Já Alessandra Sampaio, mulher de Dom Phillips fez um apelo ao governo brasileiro.

O Itamaraty se manifestou em nota sobre o desaparecimento do indigenista e do jornalista. “Governo brasileiro seguirá acompanhando as buscas com o zelo que o caso demanda e envidando os esforços necessários para encontrar prontamente o profissional da imprensa britânica e o servidor da Fundação Nacional do Índio. Na hipótese de o desaparecimento ter sido causado por atividade criminosa, todas as providências serão tomadas para levar os perpetradores à Justiça”.