Em lares de famílias com crianças menores de 10 anos a fome dobrou, passando de 9,4% em 2020 para 18,1% em 2022

População vai à rua protestar contra a fome que aumentou no atual governo. Foto: Elineudo Meira (Chokito)/Mídia NINJA

Por Mauro Utida

O Brasil já foi referência internacional no combate à fome. Entre 2004 e 2013, políticas públicas de erradicação da pobreza e da miséria reduziram a fome para menos da metade do índice inicial: de 9,5% para 4,2% dos lares brasileiros. Hoje, infelizmente, o país é outro.

No final de 2020, a fome havia retornado aos patamares de 2004, e novos estudos mostram que em 2022 a realidade é ainda pior. De 9% dos domicílios com moradores passando fome, saltamos para 15,5% — 33,1 milhões de brasileiros. “Isso quer dizer que, de um período para o outro, 14 milhões de pessoas passaram a conviver com a fome no dia a dia”, relata o 2.º Inquérito Nacional da Insegurança Alimentar no Brasil no Contexto da Covid-19 (II Vigisan).

O estudo divulgado nesta quarta-feira (14), mostra que a fome dobrou nas famílias com crianças menores de 10 anos, passando de 9,4% em 2020 para 18,1% em 2022. Na presença de três ou mais pessoas com até 18 anos de idade no grupo familiar, a fome atinge 25,7% dos lares. Já nos domicílios apenas com moradores adultos a segurança alimentar chegou a 47,4%, número maior do que a média nacional.

O fato se agrava mais ainda pelo fato de Bolsonaro ter vetado o reajuste de 34% para o Programa Nacioanal de Alimentação Escolar (PNAE) no orçamento para 2023, sendo que boa parte dos 41 milhões de estudantes atendidos pelo programa tem na alimentação escolar uma das mais importantes refeições do dia, conforme informações do Observatório da Alimentação Escolar.

A geografia da fome persiste

Estados do Norte e do Nordeste têm, proporcionalmente, os mais graves índices de insegurança alimentar do país. Os novos dados apontam que Alagoas registra a maior proporção de pessoas que passam fome. No estado de origem do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que indicou mais de R$ 300 milhões em emendas parlamentares do chamado orçamento secreto, nos últimos dois anos, 36,7% das pessoas se encontram em insegurança alimentar grave.

O relatório deixa claro que insegurança alimentar é a condição de não ter acesso pleno e permanente a alimentos. “A fome representa sua forma mais grave”.

A situação é pior quando são considerados os domicílios com crianças de até dez anos ou aqueles com renda familiar per capita inferior a meio salário mínimo. No Maranhão, por exemplo, quase dois terços (63,3%) das residências com crianças até dez anos apresentam insegurança alimentar moderada ou grave. Na sequência, aparecem Amapá (60,1%), Alagoas (59,9%), Sergipe (54,6%), Amazonas (54,4%), Pará (53,4%), Ceará (51,6%) e Roraima (49,3%).

O trabalho foi realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Penssan). Os dados que embasam a pesquisa foram colhidos a partir de entrevistas em 12.745 domicílios, em áreas urbanas e rurais, entre abril de 2021 e abril deste ano.

“Como consequência, ao longo dos últimos anos, o povo brasileiro vem empobrecendo progressivamente e enfrentando as consequências da precarização da vida, sem suporte adequado e efetivo de ações do Estado. Isso teve reflexos diretos na capacidade de acesso à alimentação suficiente e adequada pelas famílias brasileiras, constituindo uma violação de um preceito constitucional. A má gestão pública da pandemia no Brasil é um fator agravante desse cenário pré-existente”, conclui o estudo.

As mulheres são as mais impactadas pela fome — e cada vez mais

O estudo aponta que 6 de cada 10 lares comandados por mulheres convivem com a insegurança alimentar. Nas casas em que a mulher é a pessoa de referência, a fome passou de 11,2% para 19,3%. Nos lares que têm homens como responsáveis, a fome passou de 7,0% para 11,9%. Isso ocorre, entre outros fatores, pela desigualdade salarial entre os gêneros.

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