Entre 2019 e 2021 o aumento de casos foi de 408%. Desde o primeiro ano do governo Bolsonaro, Observatório Judaico dos Direitos Humanos no Brasil contabilizou 114 denúncias

Ato Anti Fascista em São Paulo. Foto: Mídia NINJA

Por Mauro Utida

O recente episódio na Biblioteca Municipal Mário de Andrade, em São Paulo, onde um homem de 39 anos foi detido por ataques a negros e homossexuais com falas racistas, homofóbicas e de referência ao nazismo, é o retrato deste grupo que, nos últimos anos, tem se sentido cada vez mais à vontade para destilar o seu ódio fora das redes sociais.

O relatório inédito feito pelo Observatório Judaico dos Direitos Humanos no Brasil revela que as ocorrências de episódios neonazistas no país praticamente têm dobrado a cada ano sob o governo do presidente Jair Bolsonaro (PL). Entre 2019 e 2021 o aumento de casos foi de 408%. Coincidência entre o caso isolado na biblioteca e o aumento de casos no governo Bolsonaro? Para os autores do relatório, não.

“Este governo que a gente tem no Brasil hoje é um governo que se articula com as estruturas políticas do nazismo. Você tem teorias conspiratórias, racismo, xenofobia, militarização, produção de milícias”, alertou o historiador Michel Gherman.

“Não nos surpreendemos com o governo porque o perfil de Bolsonaro já era conhecido desde a campanha eleitoral, mas ficamos surpresos com os números coletados e o percentual de crescimento de discursos e atitudes no país”, disse a professora Cláudia Heller. “Os números refletem um conjunto de ideias que sempre estavam presentes em nossa sociedade, mas que Bolsonaro trouxe à tona com o seu discurso e atitudes”, concluiu.

Desde o primeiro ano do governo Bolsonaro, a entidade contabilizou 114 eventos desse tipo. Se naquele ano houve ao menos 12 ocorrências neonazistas, no ano seguinte foram identificadas 21 delas, em 2021, 49, e, no primeiro semestre deste ano, 32. Para os autores do documento, até o fim de 2022 é esperado um novo recorde da série histórica, principalmente pelo fato de ser ano eleitoral.

O início do período eleitoral também sinaliza o aumento de crimes de violência política de gênero praticado por estes grupos, principalmente contra mulheres. No início do mês, Manuela d’Ávila (PC do B), a líder do PSOL na Câmara dos Deputados, Sâmia Bomfim (SP) e a vereadora e pré-candidata a deputada federal, Duda Salabert (PDT-MG), foram ameaçadas de morte, incluindo, suas famílias. Em comum, a suspeita é que os ataques foram direcionados por grupos neonazistas contra estas mulheres que atuam na política com forte atuação social em defesa da democracia, direitos humanos e contra toda forma de opressão e preconceito.

Outra preocupação informada no relatório é a política de armamento da população pelo governo Bolsonaro, com o apoio do Congresso Nacional. O caso do assassinato do petista Marcelo Arruda em Foz do Iguaçu, no último dia 9 de julho, pelo policial penal bolsonarista, Jorge Guaranho, é um exemplo dos riscos que o país corre com grupos extremistas fortemente armados.

Segundo o diretor geral do Observatório, Samuel Neuman, os ataques neonazistas e antissemitas listados no relatório são apenas “a ponta do iceberg” de violações de direitos humanos de ataques contra diversas grupos, como mulheres, população negra, povos indígenas e quilombolas, além de ameaças à população LGBTQIA+. “Nosso relatório é importante para revelar os ataques antissemitas, mas queremos lembrar também toda forma de violência. Não adianta ser contra o antissemitismo e não defender outras categorias”, afirmou o diretor que coordenou o relatório junto com a professora Claudia, e conta com ilustrações criadas pela artista plástica Sandra Felzen.

“Comparado com a Europa e os EUA, o nível de violência no Brasil e América Latina é menor, porém tem crescido consideravelmente. Na Alemanha nazista, o foco principal foram os judeus. No Brasil, as vítimas são os povos indígenas e afrodescendentes”, alerta Neuman.

Ponta do iceberg

Este é o terceiro levantamento sobre as violações aos direitos humanos no país durante o governo Bolsonaro realizado pelo Observatório Judaico dos Direitos Humanos no Brasil. Os autores do documento declaram que o Observatório busca parcerias com grupos sociais e entidades envolvidas com a defesa dos direitos humanos para complementar o relatório com mais informações.

As mais de 700 menções no banco de dados apontadas no relatório fazem referência para denúncias divulgadas na mídia e redes sociais, porém com novas parcerias é possível revelar dados ainda maiores. As violações verbais e físicas que mencionam os judeus foram classificadas como antissemitas, já quando os denunciados utilizam símbolos nazistas e fazem referência ao mesmo, são classificados como neonazistas.

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