“O problema do sucateamento da educação já se enraizou há muito tempo e nós que frequentamos o ambiente acadêmico sentimos na pele”, diz Sabrina Gomes

Foto: Lukaskk / Wikimedia Commons

Por Maria Irmany para os Estudantes NINJA

Em 2022, a situação das universidades federais, que já se encontravam fragilizadas pela escalada de cortes orçamentários exercidos pelo Ministério da Educação durante a pandemia, piorou. Vale lembrar que a Educação foi a área que mais sofreu redução de verbas desde o início do governo Bolsonaro, com restrições de até 85%, segundo coluna de José Casado para a Veja. Em maio deste ano, o MEC já havia anunciado um bloqueio de 14,5% de verbas destinadas à educação, que mais tarde foram reduzidos para 7,2% após protestos. No entanto, algumas universidades federais sofreram novos cortes – como a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) – que, em junho, perdeu mais R$2,3 milhões, totalizando uma restrição de quase R$4,7 milhões do orçamento total da instituição.

“A redução de um orçamento que já era significativamente deficitário causa impactos diretos, invariavelmente, no funcionamento diário da Universidade. Não há mais onde reduzir custo sem comprometer as atividades da UFSCar”, posicionou-se a universidade através de nota.

Diante desse contexto, a rede Estudantes Ninja decidiu trazer em debate a visão dos estudantes em relação a perda de verbas das universidades federais, em especial – a UFSCar. A entrevista a seguir foi realizada com a estudante Sabrina Gomes Felipe de Jesus, do curso de Imagem e Som do campus São Carlos da UFSCar.

Foto: Arquivo Pessoa

Confira a entrevista completa:

1. Desde que entrou na UFSCar, quais mudanças você percebeu na instituição por conta dos cortes orçamentários?

Sabrina: Eu sou da turma 021; então, o presencial só começou pra mim nesse ano, 2022, por isso, desde o começo, é perceptível como a estrutura está há muito tempo sem manutenção ou o cuidado necessário por conta da pandemia. A impressão que temos é de que estudamos em um local abandonado – principalmente na área sul da universidade – que é onde se concentram os cursos de humanas. Tem muito mato, os banheiros não têm papel ou sabão, os equipamentos das salas são deficientes, algumas salas têm projetor bom, mas não têm som, outras não têm ventilação direito, estão com janelas emperradas etc – além da segurança da universidade ser praticamente inexistente – tanto que ocorreram roubos na moradia estudantil não tem muito tempo. Todo esse cenário já era esperado porque os cortes de verba em todas as federais do país já são uma realidade há bastante tempo, mas vindo de uma pandemia de dois anos e com mais cortes ainda, está ficando crítico. Os mais afetados são os estudantes bolsistas que vivem todos os dias com a insegurança de não saberem se terão onde morar daqui uns meses.

2. Como você definiria o impacto destas ações na saúde mental dos estudantes, como você e seus colegas se sentem diante da perspectiva do fechamento da universidade?

S: Nos sentimos inseguros porque a segurança que o Estado devia dar está ausente. Não sabemos se a universidade vai fechar, se nossos projetos poderão continuar, se teremos como nos sustentar com o Restaurante Universitário fechado, ou ainda, se teremos condições de continuar na cidade. Muitos alunos não podem voltar pra cidade natal por inúmeras questões e todos os planos que fizemos para conseguirmos estar aqui podem não se concretizar.

3. Quais os efeitos destes cortes no seu curso, em seu campus?

S: Eu sou da Imagem e Som, o curso de audiovisual/cinema da UFSCar, que em comparação com alguns outros cursos, é bem sucateado, mas agora, depois da pandemia, piorou – pois não tivemos manutenção nos laboratórios e alguns materiais que tínhamos para as aulas práticas se perderam – principalmente materiais fotográficos com reagentes químicos e tal. Não temos equipamentos de filmagem o suficiente e isso prejudica muito o aprendizado, pois, na minha área, você aprende muito mais fazendo e tendo contato com as máquinas para filmar, editar, produzir etc.

4. Com a ampliação dos cortes orçamentários, há o comprometimento da manutenção do Programa Nacional de Assistência e Permanência Estudantil (PNAES), você conhece algum estudante que dependa deste programa?

S: Sim, conheço diversos alunos que fazem parte do programa e a sensação que eles têm é de uma insegurança enorme, pois muitos dependem dele para sobreviver e, com os cortes, os bolsistas são os primeiros a ser afetados. Hoje, já vemos alguns alunos em situação de vulnerabilidade social se virando para se manterem na faculdade porque as bolsas oferecidas já não são suficientes para atender todos aqueles que precisam.

5. No último dia 08 de julho, os estudantes da UFSCar, em São Carlos (SP), protestaram contra o corte e bloqueio de verbas por parte do MEC. Você participou do ato? Como você enxerga o apoio da sociedade aos estudantes nessa situação?

S: Não consegui participar porque estava trabalhando, mas o apoio da sociedade é essencial para nós nesse momento para termos visibilidade, pois atos e manifestações são a maneira que encontramos para ter voz fora do campus, para que outras áreas consigam enxergar que a situação está ficando crítica. Também é uma forma de pressionar a reitoria e fazer com que sejamos ouvidos na região, pois a última manifestação contou com cobertura da EPTV (rede televisiva local). No entanto, muitos moradores da cidade acabam sendo intolerantes, achando que é “balbúrdia”.

6. Qual seu ponto de vista em relação ao futuro da UFSCar?

S: Um pouco pessimista. Precisamos de muitas mudanças que não são fáceis ou rápidas desse concretizarem e acredito que o fechamento da universidade em outubro já é real, mesmo torcendo para que não seja. Ainda que ela não feche, muitos projetos serão interrompidos e, com certeza, o aproveitamento que teremos da experiência universitária não será o mesmo. É muito difícil lidar com a negligência estatal diariamente e não acredito que a visão que o governo tem da educação mude em pouco tempo.

7. Se pudesse enviar alguma mensagem para o MEC, o que diria?

S: O governo atual está tão mergulhado em desserviço que a culpa não é só do MEC, o problema do sucateamento da educação já se enraizou há muito tempo e nós que frequentamos o ambiente acadêmico sentimos na pele, diariamente, a insegurança de praticamente só ter perspectiva de crescimento profissional no exterior. A educação é um direito básico que está sendo roubado e negado e, enquanto não for valorizada, o Brasil não tem futuro.