No Brasil, essa violência passeia pelo cotidiano, de forma contida, às vezes explícita e na grande maioria velada

Foto: Alan Karchmer/NMAAHC

Por André Menezes

Tenho viajado muito para os Estados Unidos nos últimos anos, seja a trabalho ou para poder passar alguns dias de férias. Para ser sincero, acredito que conheço mais estados norte americanos que brasileiros. Como homem preto, busco analisar como o racismo se comporta em cada canto do mundo, e no país que foi palco da maior segregação racial da história, vejo que há algumas semelhanças com o Brasil, mas por aqui muita das vezes a violência é mais velada, contudo, igualmente danosa.

A brutal segregação racial nos Estados Unidos teve início logo após a guerra civil americana e durou até por volta de 1964. Guerra que teve como principal motivo a divergência sobre a abolição do sistema escravagista entre estados confederados do sul e do norte nos Estados Unidos. Através de um conjunto de leis e estatutos que ficaram conhecidos como leis Jim Crow, vários estados americanos tinham como objetivo marginalizar os negros, determinado onde a população negra deveria morar, sentar nos trens, beber água em bebedouros públicos em parques, estudar, dentre outras atividades. As leis também negavam o direito ao voto à população negra. Quem se atravesse a desafiar as leis, era duramente castigado, seja com prisão, multas, violência e morte.

Passando pela capital Americana, Washington D.C., pude conhecer um pouco mais da história do povo preto na América do Norte, no Museu da Cultura Afro-americana, (National Museum of African American History and Culture). Os nossos antepassados da cor carregam consigo todo o peso de um país extremamente racista e que por décadas foram segregados e escravizados em diversos estados americanos e não somente no sul como dizem por aí. O museu, além das histórias, traz dados alarmantes sobre a violência sofrida por pessoas pretas de 2010 para cá. Para se ter ideia, um em cada três homens pretos tem grandes chances de serem presos, enquanto para o homem branco a proporção é de uma em cada dezessete.

O museu da cultura afro americana destaca o Brasil em uma de suas sessões apresentando números estarrecedores sobre a tráfico de escravos da África. Números esses que também é apresentado no livro de Laurentino Gomes, Escravidão Volume 1. O Brasil, sozinho, recebeu quase 5 milhões de cativos, o que é o equivalente a quase 50% do total traficado em todo o continente americano. Laurentino também destaca em seu livro que, portugueses e brasileiros estão no topo da lista como os maiores traficantes de cativos, responsáveis pelo transporte de aproximadamente 6 milhões de seres-humanos.

No Brasil, essa violência passeia pelo cotidiano, de forma contida, às vezes explícita e na grande maioria velada. A segregação é percebida até mesmo na geografia. Segundo uma pesquisa do Instituto Locomotiva de 2021, dezessete milhões de pessoas vivem em regiões periféricas em grandes capitais como São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro, sendo que nelas a população negra representa 67%, um patamar bem acima da média nacional, de 55%

No período mais crítico da pandemia, essa mesma população segregada foi a mais afetada. Segundo um estudo do Instituto Pólis, de 2021, ao longo do ano de 2020 morreram mais de 52% homens negros do que brancos e 60% a mais de mulheres negras do que brancas.

O cenário de segregação também é vislumbrado nas universidades, mesmo com os avanços das leis de cotas, que muitos criticam e ainda batem o peito para dizer que não são racistas – não na frente de todo mundo. Um levantamento realizado pelo site Quero Bolsa, com dados de 2010 a 2019, revelou que o número de estudantes negros no ensino superior cresceu quase 400%, totalizando 38,15% dos matriculados. Entretanto, o percentual ainda está abaixo de sua representatividade no conjunto da população, que alcança 56%.

O país só veio acordar verdadeiramente para as questões raciais depois do estarrecedor 13 de março e 25 de maio de 2020, quando Breonna Taylor e George Floyd foram brutalmente assassinados. Como se esses episódios tivessem servido de mola propulsora para um debate mais aprofundado sobre o tema.

André Menezes é gerente de programas no Nubank. Com título de Master of Liberal Arts (ALM) in Extension Studies, field of Management (Mestre em Artes Liberais com foco em Administração) em Harvard uma das Universidades mais prestigiadas do mundo, desde pequeno sabia que seu esforço abriria portas para seu futuro. Criado no bairro dos Pimentas, zona periférica da cidade de Guarulhos, na grande São Paulo, seus passos ajudaram a tornar o profissional de sucesso que é hoje.