Conheça a história de Angelita, que, no Paraná, tem de lutar contra um câncer em estado avançado e a negligência de um Estado que só pensa na saúde de suas próprias contas públicas.

Foto: Arquivo Pessoal

“Eu queria que existisse um remédio pra curar todo mundo que tem essa doença, ninguém no mundo merece passar por isso”.

Foi com essas palavras e os olhos marejados que minha mãe, Angelita, em uma das nossas últimas conversas, me falou muito a respeito do desespero de conviver com um câncer. Como ela mesma disse, a perversidade dessa doença mora na destruição dos sonhos e da imaginação de um futuro possível.

Angelita tem 49 anos, mora em Tuneiras do Oeste, cidadezinha do interior do Paraná, tem dois filhos e é professora há mais de 20 anos. Descobriu um câncer colorretal com metástases hepáticas no final de 2015, depois de ter sido internada com fortes dores na barriga, aos 46. Desde então, nesses últimos três anos, passou por três cirurgias e inúmeras sessões de quimioterapia – alternando entre ciclos em casa e no próprio hospital onde se trata, localizado em Umuarama, também no Paraná. Desde então, nesses últimos três anos, passou por muitas situações degradantes – a maioria de nós, possivelmente, já ouviu falar sobre os efeitos colaterais de quimioterápicos.

Apesar de todo desconforto e sofrimento, o que Angelita mais queria no momento era poder começar, mais uma vez, um novo ciclo desses medicamentos; gostaria, mas tem sido sistematicamente impedida pela justiça e pelo estado paranaense. Submetida a todos os protocolos recomendados, as possibilidades de tratamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS) se esgotaram, e a única alternativa possível é um medicamento imunoterápico chamado Nivolumabe.

Como era de se esperar em um estado democrático de direito, cuja Carta Maior assegura o direito à vida e à saúde, Angelita tentou conseguir o medicamento por vias judiciais. Hoje, 28 de fevereiro de 2019, o processo tramita há 204 dias – em regime de urgência (sic).

Nesses duzentos e quatro dias, foram concedidas antecipação de tutela em primeira e segunda instância e uma sentença favorável a Angelita em primeira instância. Entretanto, em uma manobra atroz, o Tribunal de Justiça do Paraná tornou sem efeitos as liminares que antecipavam esse medicamento, até o processo transitar em julgado.

Dizer para qualquer paciente que seu medicamento depende do esgotamento dos recursos judiciais é, por si só, uma desumanidade tremenda. Dizer isso para uma paciente oncológica que encontrou suas últimas esperanças de vida em uma medicação é particularmente cruel (e aqui vale a pena um parênteses para publicizar a justificativa do Estado em não conceder o medicamento em agosto, mediante primeira antecipação de tutela: o medicamento traria pouco tempo de sobrevida se comparado ao seu custo – o Estado do Paraná, pelo visto, além de ter aderido a práticas que deixariam invejosos matadores por encomenda, parece também desconhecer pesquisas científicas avançadas na área de oncologia).

Hoje, completos os duzentos e quatro dias da petição inicial, minha mãe tem visto sua vida se debilitar – ou como ela mesma diz constantemente: “eu estou me sentindo cada dia mais fraca”. A violência do Estado, expressa em sua negligência em cumprir com a garantia do direito à vida e à saúde, penetra o cotidiano mais íntimo: minha mãe, Angelita, teve, por exemplo, que abandonar sua cama e passar a dormir sentada por conta de complicações pulmonares. A manobra atroz do TJ/PR suspendeu os efeitos das liminares alegando o cuidado com a saúde das contas públicas do Estado do Paraná. A saúde das contas públicas.

Tripudiar sobre os direitos da população parece não ser uma expressão que dá conta para falar desse tipo de justificativa, tampouco, se referir à comédia se não fosse a tragédia. Em nenhum mundo esse tipo de situação seria cômica – nós e inúmeros outros familiares de pacientes e pacientes que dependem desses processos de judicialização da saúde estamos abandonados à tragédia.

Relato de Eduardo Almeida, filho e um dos cuidadores de Angelita.