Jornalista foi acusado de 18 crimes após divulgar os abusos sofridos pelos países durante os conflitos militares

Julian Assange com a capa do jornal de julho de 2010 com a manchete dos documentos militares revelados (Peter Macdiarmid/Gettyimages)

Por Hellen Sacramento

Na última segunda-feira (28), um coletivo com os principais veículos de imprensa do mundo divulgou uma carta em defesa da liberdade de imprensa do jornalista e ativista Julian Assange, 51 anos. Ele foi condenado a 175 anos de prisão pelo governo dos EUA por divulgar documentos secretos com alegações que o Iraque e o Afeganistão sofreram abusos dos militares estadunidenses durante conflitos, entre 2010 a 2011. 

O caso

A WikiLeaks é o veículo de comunicação fundado por Assange, em 2006. Quatro anos depois, ele publicou um compilado com mais de 250 mil arquivos sigilosos sobre o governo. Dentre eles, havia dados com violações cometidas durante conflitos armados. Logo, em um ato de repressão, o governo dos EUA iniciou uma investigação criminal com 18 processos contra o veículo e seu fundador. 

Julian foi preso pelo governo sueco em dezembro de 2010 acusado de agressão e estrupo contra uma jovem. Apesar de negar todas as acusações, ele preferiu se entregar à polícia no Reino Unido e 9 dias depois foi solto por fiança. Em 2012 ele se exilou com proteção do ex-presidente Rafael Correa na Embaixada do Equador, em Londres, onde morou até 2019. O governo estadunidense tentou um pedido de exportação do jornalista, mas foi invalidado.

Depois disso, em 2019, o presidente  do Equador Lenín Moreno expediu um cancelamento do asilo político a Assange liberando a entrada dos EUA na Embaixada, realizando o ato de prisão. O processo de expedição foi retomado sem sucesso. Em 2021, o Reino Unido alegou que o réu não estava em um estado de saúde estável, muito fragilizado e que o sistema penitenciário estadunidense não teria como garantir a sua segurança. 

Em 2011, antes de se exilar, Julian participou de uma entrevista no Frontline Club e justificou o Cablegate: “Precisamos de um Cablegate para a CIA, precisamos de um Cablegate para o SVR [inteligência russa], precisamos de um Cablegate do New York Times, na verdade, para ver todas as histórias que eles estão censurando.”

E agora?

Veículos da mídia internacional, dentre eles o britânico The Guardian, o estadunidense The New York Times, o espanhol El País, o francês Le Monde e o portal da Alemanha Der Spiegel, publicaram uma carta em defesa da liberdade de imprensa violada pelos EUA. 

Confira a íntegra da carta: 

Publicar não é crime: o governo dos Estados Unidos deveria encerrar o processo contra Julian Assange por publicar segredos.

Doze anos atrás, em 28 de novembro de 2010, nossos cinco meios de comunicação internacionais – New York Times, Guardian, Le Monde, El País e Der Spiegel – publicaram uma série de revelações em cooperação com o WikiLeaks que chegaram às manchetes em todo o mundo.

“Cablegate”, um conjunto de 251.000 telegramas confidenciais do departamento de estado dos EUA, revelou corrupção, escândalos diplomáticos e assuntos de espionagem em escala internacional.

Nas palavras do New York Times, os documentos contavam “a história nua e crua de como o governo toma suas maiores decisões, as decisões que mais custam ao país em vidas e dinheiro”. Mesmo agora em 2022, jornalistas e historiadores continuam a publicar novas revelações, usando o tesouro único de documentos.

Para Julian Assange, editor do WikiLeaks, a publicação de “Cablegate” e vários outros vazamentos relacionados tiveram as consequências mais graves. Em 12 de abril de 2019, Assange foi preso em Londres com um mandado de prisão dos EUA e agora está detido há três anos e meio em uma prisão britânica de alta segurança geralmente usada para terroristas e membros de grupos do crime organizado. Ele enfrenta extradição para os EUA e uma sentença de até 175 anos em uma prisão americana de segurança máxima.

Este grupo de editores e publicadores, todos os quais trabalharam com Assange, sentiram a necessidade de criticar publicamente sua conduta em 2011, quando cópias não editadas dos telegramas foram divulgadas, e alguns de nós estão preocupados com as alegações da acusação de que ele tentou ajudar na invasão de computador de um banco de dados classificado. Mas nos reunimos agora para expressar nossas sérias preocupações sobre o processo contínuo de Julian Assange por obter e publicar materiais classificados.

A administração Obama-Biden, no cargo durante a publicação do WikiLeaks em 2010, absteve-se de indiciar Assange, explicando que teria de indiciar também jornalistas de grandes veículos de notícias. A posição deles valorizava a liberdade de imprensa, apesar de suas consequências desconfortáveis. Sob Donald Trump, no entanto, a posição mudou. O DoJ baseou-se em uma lei antiga, a Lei de Espionagem de 1917 (projetada para processar espiões em potencial durante a Primeira Guerra Mundial), que nunca foi usada para processar uma editora ou emissora.

Esta acusação estabelece um precedente perigoso e ameaça minar a primeira emenda dos Estados Unidos e a liberdade de imprensa.

Obter e divulgar informações sigilosas quando necessário para o interesse público é parte essencial do trabalho diário dos jornalistas. Se esse trabalho for criminalizado, nosso discurso público e nossas democracias ficarão significativamente mais fracos.

Doze anos após a publicação de “Cablegate”, é hora de o governo dos EUA encerrar o processo contra Julian Assange por publicar segredos.

Publicar não é crime.

Posicionamentos

Na segunda-feira (28), o atual editor do WikiLeaks, Kristinn Hrafnsson, encontrou-se com Marina Silva, do partido Rede, deputada federal que é cotada para ministérios do governo Lula. A deputada pediu liberdade para Assange. 

Lula publicou no mesmo dia uma foto ao lado de Kristinn e o editor e embaixador Joseph Farrell prestando sua solidariedade ao jornalista Julian Assange nesta injusta prisão.

Kistrinn divulgou um agradecimento após a reunião com Lula: “Um verdadeiro homem de paixão, visão e simpatia. Obrigado Lula.” 

Stella Maris, advogada especialista em direitos humanos e atual esposa de Assange, postou um vídeo no WikiLeaks explicando como ele sofreu abusos, foi silenciado pelos governos estadunidense e britânico por expor crimes do Cablegate, incluindo a conspiração entre a CIA com outros governantes para assassinar o jornalista. Stella lidera as tentativas feitas de bloquear a extradição do esposo.

A Associação Brasileira de Imprensa (ABI), com sede no Rio de Janeiro, irá presidir uma manifestação a favor da liberdade do jornalista. Os atos acontecerão das 16h às 19h, na Rua Araújo Porto Alegre, 71, centro da capital. A jornalista Hildegard Angel participará da iniciativa liderada pelos dois editores do WikiLeaks.

De acordo com a ABI, o objetivo dos protestos é buscar o apoio de organizações jornalísticas e da sociedade civil para pressionar a administração Biden a retirar acusações ilegais feitas pelos EUA contra Julian Assange, e exigir sua liberdade imediata.”

A associação explicou o significado dessa injustiça: “A eventual condenação de Assange por essas publicações criminalizaria todas as etapas do processo jornalístico básico: solicitar, receber, possuir e publicar informações verídicas e de interesse público. A defesa do jornalista quer que os EUA retirem as acusações como forma de proteger a liberdade de imprensa no mundo”, concluiu.