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Uma nota pública divulgada por proprietários de bares da rua Instituto do Ceará, no bairro Benfica, denuncia ação policial violenta ocorrida na madrugada do último sábado, 30. Não houve aviso ou comunicação dos agentes de segurança antes do uso de bombas de efeito moral e balas de sal.

De acordo com o manifesto, a ação teve início por volta de 1h15min e se estendeu até as 2 horas. As vítimas também teriam sido impedidas de chamar socorro, já que as saídas dos estabelecimentos e o acesso à rua teriam sido bloqueadas. Os policiais envolvidos na ação não teriam tentado nenhum tipo de comunicação, evacuação dos locais ou dispersão dos presentes.

Leia a nota completa:

Na madrugada de sexta-feira para sábado (29 e 30/11), pessoas que se aglomeravam na Rua Instituto do Ceará, no quarteirão entre as Avenidas da Universidade e Carapinima, foram vítimas de forte truculência policial, em ação do Batalhão da Polícia de Choque (BPChoque) da Polícia Militar do Ceará.

Nesta região funcionam os bares: Hells Bar, The Ligths, Gato Preto, Laricas, Shurras, Bartequim Benfica e Bartequim Snookers. Segundo relato de vítimas e dos proprietários do Hells Bar, The Ligths e Gato Preto, os policiais chegaram atirando, arremessando bombas de efeito moral, balas de sal e spray de pimenta por volta de 1h15 da madrugada de sábado (30/11). A fúria da polícia se estendeu até às 2h da manhã. A informação é de que o arsenal bélico era disparado em conjunto, os agentes vieram em forma de paredâo na Avenida em direção a rua já com os disparos. Como resultado da violência brutal, em pânico, os populares começaram a correr, o que levou muitos a se machucarem, e a procurarem refúgio dentro das dependências dos bares. Não contentes, os policiais desceram das viaturas e foram em busca das pessoas dentro dos espaços. Neste momento, a selvageria toma contorno ainda pior, já que as vítimas começam a inalar os gases das bombas arremessadas e a serem alvejadas à queima roupa. Muitos sofreram sufocamento, desmaios e hematomas.
A situação ficou ainda pior. Ao final do ataque, os PMs impediram que fosse chamado socorro e sitiaram as vítimas, bloqueando a saída dos estabelecimentos, assim como o acesso à rua. Além disso, parte das testemunhas que registraram o ocorrido tiveram os celulares tomados pelos oficiais, que apagaram as imagens dos aparelhos.

A confirmação que a ação foi violenta, despropositada e excessiva é de que não houve por parte dos policiais qualquer iniciativa de caráter informativo, ou seja, de comunicado para dispersão, uma espécie de toque de recolher. Em nenhum momento os estabelecimentos foram avisados da ordem de evacuação da rua, como ocorrido em agosto deste ano, quando se registrou outra ação da polícia, que se tornou violenta.

A justificativa da Secretaria de Segurança Pública, de que os policiais teriam seguido o protocolo e de que os transeuntes teriam arremessados pedras e garrafas, é falaciosa. O que houve ali foi uma ação desastrosa e que poderia ter levado a mortes, como vem ocorrendo em outros estados, a exemplo da morte de nove jovens em Paraisópolis após ação da Polícia Militar de São Paulo.

Neste caso, é importante registrar que não cabe a nós pensar soluções para a organização, manutenção e fiscalização da ordem pública. Isso seria papel do poder público. Enquanto uma multidão se aglomerava no “rolezinho” da Rua Instituto do Ceará, que acontece tradicionalmente nas sextas-feiras, paredões de som eram instalados na Av. da Universidade, ou seja, o barulho partia principalmente do logradouro vizinho, o que torna ainda mais injustificada a truculência dos militares contra os ocupantes de nossa ruela.

Ainda assim, é preciso reforçar que tanto a ocupação da rua pelo “rolezinho”, como os paredões, são ações de caráter popular e organizadas pelos próprios participantes.
Foi neste contexto, de excesso de barulho, que alguns vizinhos denunciaram e convocaram as forças policiais, mas tal situação não foi provocada pelos bares (Hells Bar, The Ligths e Gato Preto). A própria PM afirma que a denúncia citava “um grupo de pessoas que estava ouvindo música em aparelhos de som portáteis fora dos estabelecimentos”.

É preciso salientar que a fiscalização, que é de responsabilidade da Agência de Fiscalização de Fortaleza (AGEFIS), nunca é feita no momento oportuno, quando há mais movimento nas ruas, tanto a Instituto do Ceará, como nas demais. Eventuais ações nas sextas-feiras, com a apreensão dos paredões, vedados por lei municipal, e correta disposição de ambulantes, poderia evitar estes transtornos.

Diante de tudo isso, convocamos os fortalezenses, especialmente os frequentadores da noite da cidade e os moradores do bairro Benfica, a exigir do Governo do Estado a correta apuração dos fatos e a responsabilização dos envolvidos com os atos de violência. Não podemos admitir que pessoas sejam submetidas a tamanha selvageria simplesmente por ocuparem as ruas. Qualquer excesso, seja por parte de frequentadores ou de comerciantes, deve ser tratado no limite da civilidade. Pedimos ainda a atenção dos órgãos de defesa dos Direitos Humanos para juntos pensarmos ações que venham preservar a saúde e a vida dos consumidores dos espaços.

Reforçamos ainda que nós, administradores dos estabelecimentos, nos preocupamos com a nossa integridade física e nos sentimos neste momento atacados pela injúria provocada por versões imprecisas sobre os fatos que circulam nas redes sociais e em parte da imprensa cearense.

Este episódio não pode ser usado por que aqueles que rejeitam a nossa existência, por sermos empreendedores e, majoritariamente, consumidores LGBTQIA+ (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, queer, intersexuais e assexuais) e periféricos, para ceifar o nosso direito de ser, estar e ocupar.

Vamos continuar nos nossos estabelecimentos realizando intervenções de cunho cultural, artístico e formativo da diversidade humana, celebrando as diferenças e negando qualquer tipo de autoritarismo datado pela sociedade e suas estruturas, cada vez mais fascistas, reacionárias e higienizantes.

Assinam este documento:
• Hells Bar;
• The Ligths;
• Gato Preto;
• Carnaúba Cultural.

Apoiam este manifesto:
• AtransCe – Associação Transmasculina do Ceará
• Sindicato dos Jornalistas do Ceará;
• Mandato da Deputada Federal Luizianne Lins;
• Festival For Rainbow;
• Associação Brasileira de Lésbicas;
• Grupo de Resistência Asa Branca;
• Marcha Mundial das Mulheres;
• GT LGBTI+ da Rede Nacional de Religiões Afro-brasileiras e Saúde – RENAFRO/CE;
• Fórum Cearense LGBT;
• Ari Areia, ator, jornalista e militante LGBT
• Setorial LGBT do PSOL Ceará
• Mercúrio – gestão, produção e ações Colaborativas
• RUA – Juventude Anticapitalista
• Mandato do Vereador Ronivaldo Maia