Adolescente tem histórico de envolvimento em outros casos de racismo na instituição

Mensagem enviada pelo estudante mostra macacos em uma roda de circo. Foto: Divulgação

Por Mauro Utida

Um estudante de 16 anos do ensino médio integrado ao técnico do curso de mecânica do Instituto Federal de São Paulo (IFSP) está sendo investigado por injúria racial e desacato contra três professores negros da instituição. O adolescente já foi denunciado criminalmente e os docentes pressionam a direção da instituição para que haja uma punição exemplar para que este tipo de crime seja rechaçado do núcleo estudantil.

O menor de idade tem histórico de já ter se envolvido em outros casos de racismo na escola anteriormente e ainda ter mostrado foto ostentando as armas de fogo do pai, que se diz ser “um dos melhores atiradores de São Paulo”. Na ocasião, o estudante foi punido com três dias de suspensão.

No último dia 7, a psicóloga que faz parte do grupo sóciopedagógico da instituição convidou os professores que são negros e membros do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (NEABI) para uma ação na sala de aula onde o jovem estuda.

No meio da aula educativa, o aluno que a todo momento desrespeitou a apresentação por ter ficado no celular e tentou desqualificar a ação dizendo que “estava perdendo a aula de física por causa da palestra”, enviou no grupo do Whatsapp da sala uma figurinha de macacos fazendo uma roda de circo.

“Uma aluna me abordou no meio da apresentação e mostrou a mensagem que ele havia enviado, quando o questionamos sobre a mensagem ele argumentou que não foi direcionada para nós, mas foi claro o ato racista dele”, declarou uma das professoras convidada para a ação.

Um dos docentes convidado a participar da ação educativa é o único professor títular negro da instituição e trabalha há 30 anos na IFSP. Ele já sofreu ataques racistas anteriormente, como quando alunos imitaram macacos em sala de aula, mas nunca denunciou as agressões.

Desta vez, incentivado por outros professores e o núcleo negro da instituição resolveu levar a denúncia adiante. Os três professores negros que preferem não se identificar fizeram denúncia verbal para a a diretoria de ensino no mesmo dia da transgressão moral do adolescente, além de ter registrado boletim de ocorrência na Polícia Civil por racismo e desacato ao servidor público, além de denúncia na ouvidoria da instituição.

Investigação

O Campus São Paulo do IFSP, onde aconteceu o crime, informou que após a denúncia de racismo reportada à Diretoria Adjunta de Administração Escolar (DAE), no último dia 7, nomeou uma Comissão de Processo Disciplinar Discente, no dia 17, para apurar as denúncias.

“Os servidores nomeados têm o prazo de 15 dias corridos para a conclusão dos trabalhos, contados a partir da data da emissão da portaria, podendo esse prazo ser prorrogado, excepcionalmente, uma única vez, por igual período. Somente a partir do parecer da comissão, que pode ocorrer o cancelamento compulsório da matrícula. Importante ressaltar que o processo corre em sigilo, com direito à defesa e contraditório”, informou a Instituição em nota.

Em relação a denúncia anterior de racismo contra o adolescente, o Campus São Paulo informou que agiu de acordo com o Regimento Disciplinar Discente do IFSP que prevê que o “descumprimento das normas estabelecidas nos deveres dos discentes ou nas condutas dos estudantes que prejudiquem o ambiente educacional, os encaminhamentos devem ter um caráter educativo, promovendo a difusão da cultura de paz, da não violência e da resolução pacífica dos conflitos”.

Um dos professores informou que os pais dos alunos foram chamados novamente pela direção e foram agressivos contra a diretoria. Como os professores têm conhecimento que os pais são armamentistas e bolsonaristas eles temem retaliação, por isso acham importante uma investigação criminal.

Íntegra da nota do núcleo NEABI da IFSP

A existência do NEABI (Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas) no IFSP visa, entre outros objetivos, o combate ao racismo e à discriminação das populações negra e indígena. Além disso, o núcleo atua no sentido de garantir a efetividade das leis 10.639/2003 e 11.645/2008 e, por essa razão, entende a importância da promoção da educação para as relações étnico-raciais em âmbito institucional, propondo ações efetivas nas dimensões do ensino da pesquisa e da extensão para uma educação antirracista que busque enaltecer a cultura afro-brasileira e indígena nas atividades desenvolvidas pelos membros do núcleo presentes nos Campus do IFSP.

Apesar de todo o trabalho desenvolvido institucionalmente pelo núcleo desde 2015, a situação ocorrida no campus São Paulo, infelizmente, não é um fato isolado, pois carrega diversas faces que circundam o racismo estrutural e como ele se manifesta nas relações pessoais, profissionais e educacionais cotidianas.

A atitude racista do estudante, ao deslegitimar a presença dos pesquisadores e pesquisadoras, bem como a proposição da atividade, ressalta seu entendimento de ocupar um espaço de poder caracterizado por seu pertencimento étnico-racial. Em tal posição, o estudante compreende-se no direito de discriminar e ofender o grupo de docentes negros e negras. É válido ressaltar que se trata de um grupo de pesquisadores e pesquisadoras, que pertencem ao Núcleo, que possuem ampla expertise tanto em suas áreas de formação, quanto na discussão das relações étnico-raciais no espaço educativo e profissional e, por isso, foram convidados para o desenvolvimento da atividade.

Por mais que a atitude seja vinculada ao indivíduo, é importante o destaque que ela é sustentada por uma sociedade construída a partir do apagamento e extermínio da população negra em todas as suas manifestações de produção de conhecimento. Nesse contexto, a situação não pode ser apenas visualizada como um fato isolado, mas como parte das manifestações da branquitude nos diversos espaços onde existe diversidade étnico-racial.

Dessa forma, a responsabilidade pela situação, e das outras muitas que são silenciadas, não é unicamente de um indivíduo. Ela deve trazer à reflexão a responsabilidade da instituição. É somente a partir desse reconhecimento que é possível constituir um avanço.

Tal reconhecimento, além de pautar ações para coibir práticas discriminatórias no espaço educacional, deve implicar numa redobrada atenção para o acesso e a permanência das populações negra e indígena, para que a presença de tais grupos possa operar um tensionamento de suas estruturas, de modo a validar os conhecimentos que foram historicamente negligenciados na educação, de modo a garantir a presença destes últimos na estrutura curricular.

Um movimento nesse sentido será capaz de tornar cada vez mais inviável o espaço para a proliferação da violência que orienta as práticas racistas. Assim, embora o NEABI tenha capilaridade em suas ações e engajamento de parte de servidores e gestores, o comprometimento político pedagógico com uma educação antirracista em todas as instâncias ainda é insipiente e precisa ser incorporado à instituição como um todo.