Modelo implementado de Parceria Público-Privada possui regalias e não deve servir como parâmetro para presídios públicos

Presídio de Tobias Barreto (SE): o Estado brasileiro falha na missão de reeducar presos para reintegrá-los à sociedade. Foto: Luiz Vieira/Agência CNJ

Texto por Wender Starlles.

Pouco mais de dois anos após registrar a segunda maior rebelião dentro de presídios do país, que deixou 67 mortos em Manaus, a capital do Amazonas volta a ser cenário da disputa de poder interno dentro facções. Durante a última semana de maio, 55 detentos foram executados nas penitenciárias do estado, 15 somente no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj). A unidade é a mesma onde em 2017 ocorreu massacre que deixou 56 vítimas.

O Governo do Amazonas confirmou que não irá renovar o contrato com a Umanizzare Gestão Prisional e Serviços Ltda encerrado no primeiro dia de junho. A empresa terceirizada é responsável por administrar o Compaj, além de outras três unidades que também registraram mortos — Instituto Penal Antônio Trindade, Unidade Prisional Puraquequara e Centro de Detenção Provisória Masculino. Em nota oficial, a Umanizzare informou que vai participar da nova licitação para se manter na administração da cadeia.

Rafael Alcadipani, especialista em segurança pública e professor da FGV-SP, aponta que a falta de cuidado por parte da administração do Compaj foi a principal causa dos episódios violentos. “A coisa acontece e você não toma as medidas necessárias para o Estado assumir de fato o controle do presídio. O que fizeram foi separar por facção e as próprias facções brigaram entre si”. O professor ainda acrescentou: “O poder público está refém das facções criminosas”.

O debate reacende a questão sobre a ineficiência da gestão pública dentro dos presídios, local onde, teoricamente, o Governo deveria agir sem nenhum tipo de interferência. Até mesmo em modelos de co-gestão.

Bruno Paes Manso, jornalista, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP e co-autor do livro “A Guerra – A Ascensão do PCC e o mundo do Crime no Brasil”, argumenta que o Estado Democrático é quem deveria exercer o monopólio legítimo da força em razão de leis aplicáveis a todos. Quando isso não ocorre, há a terceirização da violência para grupos às margens da sociedade, e eles passam a exercê-la em defesa de seus próprios interesses.

Porém, seria o Estado capaz de gerir os 2.619 estabelecimentos penais espalhados pelo país? O caos no sistema prisional traz à tona a velha ideia da privatização como medida para tentar contornar esse problema. Políticos que defendem a redução dos gastos públicos no setor, e empresas interessadas na administração do serviço alegam que haverá uma melhora significativa no processo de ressocialização dos detentos. Além do aumento na qualidade de vida dentro dos presídios.

O discurso soa muito sedutor aos ouvidos de quem apoia que o investimento público seja realizado em outros setores mais essenciais, como a educação. A sociedade sairia lucrando neste negócio, aparentemente. Entretanto, para Bruno a justiça é um bem que só cabe ao Estado assumir a responsabilidade. “Quando você coloca a iniciativa privada dentro desse sistema, a quantidade de presos ou liberdade podem estar associadas a lucros e não se trata disso”, completa.

Na época do primeiro massacre no Compaj, o governo do Amazonas desembolsou todo mês a Umanizzare R$ 4,7 mil por preso. Bem acima da média nacional de R$ 2,4 mil, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O alto custo pago pelo estado deveria obrigatoriamente trazer resultados à altura e, por consequência, evitar qualquer tipo de rebelião dentro das cadeias.

Diferentemente do modelo de cogestão aplicado em Manaus, o complexo prisional de Ribeirão das Neves, Minas Gerais, administrado pela GPA é a primeira e única iniciativa brasileira implementada em modelo de Parcerias Público-Privadas (PPPs). Inaugurado em 2013, as três unidades do conjunto penitenciário abrigam, atualmente, 2.164 detentos e nunca registraram qualquer tipo de rebelião. De acordo com Bruno, os números dão a impressão a leigos que o setor privado age de maneira eficiente. Entretanto, existe outro lado da moeda que a maioria das pessoas não conhecem. “Eles funcionam, de fato, porém, em condições muito especiais: podem escolher os presos, expulsá-los do sistema e sempre priorizam por criminosos não-faccionados”, comenta.

No caso de São Paulo

Atualmente, o sistema prisional de São Paulo encontra-se em situação de superlotação. Dados da Secretaria de Administração Penitenciária revelam que o número de presos em 2019 aumentou 2,8% em relação ao ano anterior. São mais de 232 mil detentos que ocupam os 170 presídios espalhados por todo o estado. Porém, a quantidade de vagas disponíveis, aproximadamente 143 mil, não são suficientes para comportar a demanda de prisões realizadas pelas polícias civil e militar.

Ao assumir a gestão, o governador João Dória anunciou que 12 presídios estão sendo reformados com auxílio financeiro privado e, outros três, construídos sem nenhum recurso público. Essa medida faz parte do pacote de promessas realizadas ainda durante a disputa eleitoral – uma série de privatizações em vários serviços, através das PPPs.

Neste caso, a principal ideia do governo, em longo prazo, é transferir a gestão de todos os estabelecimentos penais para empresas privadas. “Eu sou contra a privatização dos presídios. Abrir mão da liberdade como se fosse uma commodity pode acelerar o sistema punitivo que já é totalmente equivocado. Isso atrasa a reflexão do sistema em si, que é o nosso principal erro”, comenta o jornalista.

Já Rafael acredita que a privatização é um modelo capaz de funcionar, porém, dentro de circunstâncias muito ideais. “O Governo pode passar a gestão para administração privada, mas o controle tem que ser dele. É essencial controlar muito bem as empresas que vão realizar o serviço. E não parece que a gestão Dória está se preocupando em fazer isso”, afirma.

Até quando construir prisões será a resposta dada pela sociedade para solucionar a criminalidade? Tanto Bruno quanto Rafael concordam que está na hora de revisar a maneira como as pessoas são encarceradas: “Devíamos focar em quem realmente deve ser preso e encontrar outras formas de punir, além da prisão. Por que alguns crimes menos violentos e sérios não podem ter outros tipos de penas?”, questiona o jornalista. O Brasil precisa parar de superlotar cadeia. Temos que aprender a prender quem realmente precisa. Ter um sistema alternativo de penas que funcione bem é essencial”, avalia o professor.

Devido ao contato de presos provisórios, 34,4% do total no país, ocorre ainda a possibilidade do indivíduo que está esperando por julgamento ser cooptado pelas facções para cometer delitos mais graves. A partir daí a violência se torna uma roda-gigante que o poder público não sabe como parar. “Podemos pensar em modelo que não haja desperdício de investimento e que não piore as pessoas. Temos que combater com inteligência”, afirma Bruno Paes Manso.