Por Maria Vitória de Moura

O Conselho Penitenciário do Pará e a Defensoria Pública do Estado vistoriaram cinco unidades prisionais paraenses, entre novembro de 2022 e junho de 2023. Segundo os inspetores, foram encontrados casos de desnutrição entre os presos e a privação de comida como forma de punição.

“São muitas as violações de direitos humanos: uso excessivo do spray de pimenta; o uso de alas específicas sem câmeras nas quais os presos eram espancados, e a retirada total da alimentação como forma de punição, ou da farinha, alimento usado pelos detentos principalmente quando eles estão com muita fome”, afirma Anna Izabel Santos, presidente da Comissão de Inspeção Penal no estado.

Nos presídios, foi identificado que as marmitas entregues pela Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Pará (Seap-PA) pesavam metade do estipulado como ideal para uma refeição. As marmitas, ao invés do peso padrão de 600g, pesavam apenas 300g.

Ao UOL, a Seap-PA informou que “todas as refeições são orientadas por nutricionista, com peso padrão de 600g”, e que oferece quatro refeições aos presos: café da manhã, almoço, jantar e uma ceia. Porém, os casos de desnutrição denunciados pela Defensoria Pública, pelos internos e seus familiares demonstram o contrário.

Em relato ao UOL, um ex-interno, cuja identidade permaneceu em sigilo, contou sobre os abusos de autoridade sofridos no presídio mais lotado do Pará. Segundo ele, os presos são obrigados a ficarem nus sem motivo sempre que os carcereiros mandam. Ele também relata a falta de alimentação, que o levou à desnutrição após perder 24 kg nos nove meses em reclusão.

A alimentação nos presídios ficou ainda mais precária quando o Estado, falho na responsabilidade de oferecer alimentação de qualidade aos internos, também proibiu que parentes e visitantes entrassem com alimentos.

A proibição ocorreu em 2019, após o massacre no Centro de Recuperação Regional de Altamira, no qual morreram 58 pessoas. Com o massacre, a Força de Intervenção Penitenciária (FTIP) assumiu o controle dos presídios a pedido do governador Helder Barbalho (MDB). Entre as medidas tomadas na época estava a proibição da entrada de alimentos, que foi mantida até hoje, mesmo após a saída da FTIP em 2020.

Racismo alimentar

De acordo com o estudo da Defensoria Pública do Estado de São Paulo (DPE-SP), a população carcerária brasileira é composta de 67,5% de pessoas negras, 46,4% jovens (entre 18 e 29 anos), 56% sem Ensino Fundamental I e 99,2% sem Ensino Superior. Tais resultados demonstram a desigualdade alarmante e o racismo alimentar enraizado nas situações precárias a que os presos são submetidos.

O relatório também mostra que em todas as unidades prisionais é feito o regime compulsório, obrigando os presos a comerem papel higiênico com pasta de dente para enganar a fome. Entre as unidades prisionais inspecionadas, o menor intervalo entre a última refeição do dia e a primeira do dia seguinte é de 12h, podendo chegar a 15h.

Situações como essa levam a casos como o da Cadeia Pública de Altos, no estado do Piauí, onde, em 2020, seis pessoas presas morreram após um surto de beribéri, doença causada pela falta de vitamina B1 e relacionada a uma alimentação inadequada e pobre em nutrientes. Caso que não é isolado, mas é pouco levado às grandes mídias.

Assim, o direito à alimentação nos presídios é um assunto que deve ser colocado em pauta de forma urgente, mas que tem dado lugar às verbas para aumentar os espaços carcerários no Brasil. A previsão de investimento em “provisão de necessidades básicas para a população carcerária”, que inclui alimentação, higiene e alojamento, aumentou 15,75% de 2021 para 2022, enquanto que o investimento em expansão de vagas e presídios saltou 345,21%.

Se alimentar com dignidade é um direito de todos e negar esse direito é submeter os cidadãos a situações desumanas, onde o alimento lhes é entregue com fungos e insetos, ficando a questão: “Se você está com fome e te dão comida estragada, o que você faz? Você come ou passa fome?”