Prefeitura de Campinápolis alega que “a licença ambiental não seria necessária, pois a ação faz parte de uma política do governo de Bolsonaro”

Área foi desmatada para o plantio de grãos (Bruna Obadowski)

Com máquinas e combustível do governo de Mato Grosso, a Prefeitura de Campinápolis desmatou cerca de 300 hectares de mata nativa da Terra Indígena Parabubure, dos Xavante. Segundo reportagem de Bruna Obadowski e Ahmad Jarrah, publicada no Repórter Brasil, a prefeitura afirmou que desmatou a área sem autorização do Ibama.

Argumentou que “a licença ambiental não seria necessária no caso, pois a ação faz parte de uma política do governo de Jair Bolsonaro (PL) de implementar lavouras mecanizadas em terras indígenas” e que teria contado com apoio da Funai e das secretarias de Meio Ambiente e Agricultura de Mato Grosso.

Ainda que a ação tenha tido apoio do chefe da Coordenadoria Regional Xavante da Funai, foi apontada como possível crime ambiental pelos servidores que atuam na fiscalização e identificaram a derrubada da mata em março e abril.

A reportagem teve acesso a um despacho do Serviço de Gestão Ambiental e Territorial (Segat) da regional. “Este Segat desconhece qualquer atividade autorizada de desmatamento na referida área”, diz o documento, que considera a situação “grave”. “Os tratores presentes no local do desmatamento estão identificados com adesivos do governo do Estado de Mato Grosso”.

O governador Mauro Mendes e Jair Bolsonaro são aliados e entusiastas do plantio mecanizado em TIs (Mayke Toscano/GovMT)

A reportagem destaca que o governador Mauro Mendes (União Brasil) é aliado de Bolsonaro e, assim como ele, entusiasta do plantio mecanizado em terras indígenas.

O secretário de Assuntos Indígenas de Campinápolis, Epaminondas Conceição Silva, disse que, “pelo que apurou não precisa de todo esse processo [de licenciamento ambiental junto ao Ibama]”. Ele admitiu que houve, ainda, abertura de estradas para chegar ao local, igualmente feitas sem aval do Ibama.

“Vai dar uns 176 hectares [de lavoura] de cada lado da pista”, para plantio de milho, arroz e algodão, afirma.

Desmatar áreas protegidas como terras indígenas é ilegal, a menos que haja autorização do Ibama, segundo a lei 140/2011. O órgão ambiental publicou em 2018 norma que lista uma série de atividades que dispensam o licenciamento em terras indígenas, como construção de moradias e abertura de roça não mecanizada.

Na gestão Bolsonaro, porém, a Funai e o Ibama expediram nova instrução que abriu brecha para não indígenas explorem essas áreas, mas apenas se eles fizerem parte de organizações mistas compostas majoritariamente por indígenas. O texto estabelece ainda que os indígenas sejam os empreendedores e beneficiários principais das iniciativas, e que as associações fiquem responsáveis por pedir autorização ao Ibama.

Na TI Parabubure, contudo, tais exigências não foram respeitadas. A implantação da lavoura foi proposta pela prefeitura de Campinápolis, que decidiu também, por conta própria, retirar a mata sem o aval do Ibama, usando servidores municipais e com apoio do governo estadual.

Além disso, a associação indígena que daria ares de legalidade para a iniciativa sequer foi criada, e apenas não indígenas participaram da empreitada até agora. “Nessa primeira parte, a prefeitura entrou com a cara e a coragem. O que nos travou foi a criação da cooperativa”, conta o secretário. Ele diz que o projeto foi paralisado, mas a reportagem constatou em julho máquinas da prefeitura trabalhando na abertura de novas estradas.

Lideranças Xavante que apoiam a lavoura mecanizada confirmam que a proposta partiu da prefeitura, e que o financiamento até o momento foi do governo estadual. “Não foi o índio que pediu [a lavoura]. O prefeito colocou o projeto na prefeitura e, quando ele explicou, eu aceitei. Mas não são todos que aceitam. A maioria dos indígenas é contra”, diz Amércio Owedeiwawé, cacique da aldeia São Paulo, a mais próxima da futura lavoura.

“O governo estadual já investiu 200 e poucos mil reais com máquinas e principalmente combustível”, conta Geninho Tseredzapriwe, da aldeia São Pedro, também próxima ao empreendimento. Vereador em Campinápolis, pelo PSDB, ele diz que a Cooperativa dos Indígenas de Parabubure está em fase de criação.

Segundo fiscalização das Funai, máquinas do governo foram utilizadas para a retirada de mata nativa na TI (Reprodução)

Questionado sobre o desmatamento sem aval do Ibama, o governo de Mato Grosso informou que cedeu as máquinas a Campinápolis e que sua utilização é de “inteira responsabilidade” da prefeitura.

O chefe da Coordenadoria Regional Xavante da Funai, Álvaro Peres, capitão aposentado do Exército, diz conhecer e apoiar o projeto em Parabubure, “mas apenas do ponto de vista administrativo”, o que inclui consultoria aos indígenas para formalizar a cooperativa. Ele não comentou sobre as suspeitas de violação ambiental.

A sede da Funai em Brasília disse que a regional Xavante “acionou os órgãos competentes, entre eles o Ibama, para apuração dos indícios de desmatamento identificados pela fundação durante os meses de março e abril de 2022”. O órgão não comentou sobre o apoio do chefe da regional ao projeto.

Procurados para comentar as possíveis irregularidades, o Ibama e o Ministério Público Federal em MT não se manifestaram.

A reportagem foi originalmente publicada na Repórter Brasil com apoio do Rainforest Journalism Fund, Pulitzer Center: Leia na íntegra, clicando aqui.