Por Débora Anunciação

Na semana em que os olhos dos brasileiros se fixaram na cena de uma mulher que levou o cadáver do tio idoso para retirar empréstimo em uma agência bancária, estreia nos cinemas nacionais uma obra que acolhe as angústias da terceira idade. Em cartaz a partir desta quinta-feira (25), o longa japonês “Plano 75” propõe um retrato sensível do envelhecimento humano e das sequelas do etarismo na contemporaneidade.

Na trama, o Japão institui, por meio de um programa governamental, o incentivo ao sacrifício voluntário de idosos a partir dos 75 anos de idade. A medida é imposta como solução para lidar com o envelhecimento cada vez maior da sociedade.

A lei garante uma alta quantia em troca da eutanásia voluntária. O dinheiro pode ser utilizado pela pessoa antes de morrer, ou como herança para a família. 

Abordar o espírito de auto-sacrifício enraizado na sociedade japonesa não é um feito inédito. “Plano 75” bebe na fonte do clássico “A Balada de Narayama” (1983), de Shôhei Imamura, mas propõe novos recortes, intrínsecos à modernidade, como as fragilidades do sistema previdenciário e a solidão da pessoa idosa.

Enquanto no filme de Imamura, japoneses com 70 anos devem ir ao topo de uma montanha para morrer, sob risco de desonrar a família; o longa dirigido pela estreante Chie Hayakawa retrata a pressão sobre os idosos em uma sociedade intolerante, apática e dessensibilizada, endossada pelo próprio governo.

A produção foi submetida para representar o Japão no Oscar em 2023 na categoria de Melhor Filme Estrangeiro e ganhou Menção Especial no Caméra D’Or do Festival de Cannes 2022, na seção Um Certo Olhar. 

O elenco reúne nomes como Chieko Baishō, Hayato Isomura, Stefanie Arianne, Taka Takao, Yumi Kawai. A distribuição é da Sato Company. 

Drama sensível

O roteiro, de Chie Hayakawa e Jason Gray, entrelaça diferentes histórias: uma senhora recém-demitida em razão da idade avançada, prestes a ser despejada e sem meios de se manter financeiramente; um vendedor pragmático do Plano 75 cujo tio pretende se voluntariar para a eutanásia; e uma jovem filipina cuidadora de idosos que passa a trabalhar no programa para custear o tratamento da filha.

A solidão de uma população vulnerável e o desgaste, tanto físico quanto mental, oriundo dessa realidade são construídos em cena por longos minutos de silêncio, aliados à sobriedade de uma atmosfera composta de tons cinzas, opacos e apagados.

O sentimento de inadequação, comum aos personagens de “Plano 75” e também aos mais velhos da “vida real”, é perpetuado por um sistema que não oferece o básico para a sobrevivência de quem contribuiu por anos com a sociedade. 

A fragilidade do sistema previdenciário obriga idosos a trabalharem em serviços pesados, como hotelaria, mas também impede novas colocações no mercado. A idade avançada também é empecilho para contratos imobiliários, o que vulnerabiliza ainda mais essa parcela da população.

O incômodo palpável é superado apenas nos poucos momentos em que os mais velhos encontram um ouvinte disponível; seja na pele de amigos na mesma situação, ou na escuta paga de funcionários mais jovens, ofertada como benefício do programa voluntário.

O filme de Hayakawa reflete os impactos da fragilidade dos laços familiares na contemporaneidade e os prejuízos dessa realidade para a população idosa. Plano 75 é, antes de tudo, um retrato da dor de quem só quer ser ouvido.