A expansão das milícias tem influência direta nos casos de violência política analisados  nestes territórios

Ato na Cidade de Deus pela Paz. Foto: Mídia NINJA

Por Mauro Utida

Em levantamento realizado por pesquisadores do Observatório de Favelas revela que a cada 45 dias um agente político é assassinado na Baixada Fluminense. Os dados fazem parte da Pesquisa Violência Política da Baixada Fluminense e Baía da Ilha Grande, lançado nesta terça-feira (27).

Os pesquisadores analisaram casos de violência cometidos contra políticos e ativistas nas regiões da Baixada e na Baía da Ilha Grande, entre janeiro de 2021 e junho de 2022. O levantamento analisa diferentes modalidades de violência política e lista uma série de recomendações para combater os processos de violência política instalados nas regiões estudadas.

De acordo com o estudo, dos 31 casos de violência política mapeados, 28 foram cometidos na Baixada Fluminense e 3 na região de Ilha Grande. Destas, 23 foram praticadas com o uso de armas de fogo e 12 foram execuções sumárias, todas na Baixada. As demais foram: atentados contra a vida, ameaça, invasão de espaço político, depredação de espaço político, violência política de gênero, e disparo de arma letal contra manifestação política no período.

O município líder em número de casos de violência política foi Duque de Caxias que contabilizou 10 ataques, seguido por Nilópolis com 4 ocorrências. Logo atrás vem as cidades de Nova Iguaçu, São João de Meriti e Itaguaí.

O relatório destaca a ascensão da extrema direita no país, com a eleição de Jair Bolsonaro à presidência, que culminou no aumento da violência política com a narrativa de Bolsonaro pelo desprezo aos direitos humanos, a demonização das esquerdas, políticas pró-armamento e a rejeição aos limites e controles democráticos, que deram vozes às ações dos setores e grupos políticos que lhe apoiam.

Desde o início do governo de Jair Bolsonaro foram registrados 1.209 casos de violência política, de acordo com o Observatório da Violência Política e Eleitoral (2022), formado por pesquisadores do Grupo de Investigação Eleitoral (Giel) da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio).

O mesmo relatório aponta que nos últimos três anos houve o crescimento de 335% nos casos de violência política no país. Se em 2019 houve 47 casos, em junho de 2022, ocorreram 214. Apenas em 2022, foram 45 homicídios registrados no país motivados por este tipo de violência.

Violência

O levantamento dá continuidade e amplia a estudo lançado em 2021 e também conta com pesquisadores da Universidade Federal Fluminense (UFF), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e da Universidade Witwatersrand (WITS), da África do Sul, com apoio da Fundação Heinrich Boll e da Open Society Foundations.

Durante a apresentação dos dados da pesquisa que aconteceu na sede do Observatório de Favelas, na Maré, André Rodrigues, coordenador da pesquisa e pesquisador da UFF, destacou que a violência é um fator fundamental de estruturação das relações de poder nas regiões analisadas.

Ele informou que a expansão das milícias nestes territórios, tem influência direta nos casos de violência política analisados. “Dos 31 casos de violência política mapeados, 13 foram cometidos em áreas de milícias, 9 deles foram execuções”, informa.

Rodrigues explica que, para além dos casos de violência política quantificados pelo estudo, as entrevistas realizadas mostraram que há um conjunto de violências estruturais que atingem principalmente mulheres negras na política.

“As entrevistadas relataram diversos casos de agressões físicas e verbais, ameaças, intimidações, violência institucional e violência política de gênero e raça”, destaca o pesquisador.

O coordenador da pesquisa também destaca que todas as pessoas ouvidas no estudo relataram ter sofrido ao menos um tipo de violência.

“Ao entrevistar as pessoas que participam ativamente na política é possível qualificar o tipo de violência que elas sofrem (…) De todas as entrevistas realizadas, nenhuma das pessoas deixou de contar pelo menos um caso de violência sofrida. Todas relatam ter sofrido algum tipo de agressão”, informa Rodrigues.

O evento realizado na sede do Observatório das Favelas contou com a presença de mulheres ativistas e políticas atuantes na Baixada Fluminense.

Recomendações

O estudo usou como metodologia o levantamento de casos de violência política em jornais, pesquisas complementares na internet, entrevistas e monitoramento e análise das mídias sociais de políticos que atuam na área da segurança pública nas regiões estudadas.

A pesquisa apresentou um conjunto de recomendações direcionadas aos Ministérios Públicos Eleitorais, ao Poder Legislativo, aos Tribunais de Contas e aos Partidos Políticos para a reversão dos processos de violência política instalados, especialmente nas regiões estudadas, Baixada e na Baía da Ilha Grande.

  • Coibir o discurso de ódio e de incentivo à violência por parte de políticos em quaisquer meios, principalmente em casos de violência de gênero e raça;
  • Estabelecer mecanismos de proteção à vida de politicas/os ameaçadas/os de morte, priorizando mulheres, pessoas negras e LGBTQIA+;
  • Organizar grupos de trabalho participativos especialmente dirigidos para a discussão e prevenção da violência política no estado do Rio de Janeiro, com foco nas regiões da Baixada Fluminense e da Baía da Ilha Grande.
  • Criar estruturas especializadas nas casas legislativas para a prevenção de violência política e proteção de parlamentares ameaçadas/os de morte;
  • Ampliar e refinar mecanismos de controle que garantam que os recursos públicos, principalmente municipais, não sejam utilizados para fins de clientelismo eleitoral;
  • Estimular a participação de pessoas negras, mulheres e LGBTQIA+ dentro dos diretórios dos partidos;
  • Reprimir práticas sexistas, misóginas, racistas e LGBTQIA+fóbicas no cotidiano das práticas partidárias.

Sobre o Observatório de Favelas

Criado em 2001, o Observatório de Favelas é uma organização da sociedade civil sediada no Conjunto de Favelas da Maré, com atuação nacional.

Fundado por pesquisadores e profissionais oriundos de espaços populares, tem como missão construir experiências que contribuam para a superação das desigualdades e o fortalecimento da democracia a partir da afirmação das favelas e periferias como territórios de potências e direitos.

Dedicada à produção de conhecimento e metodologias visando incidir em políticas públicas sobre as favelas e promover o direito à cidade.  Atualmente, desenvolve programas e projetos em cinco áreas: Arte e Território, Comunicação, Direito à Vida e Segurança Pública, Educação e Políticas Urbanas.