Foto: Divulgação/Polícia Civil

Na última quarta-feira (17), a delegada Jeiselaure de Souza, responsável pela 1ª Delegacia de Polícia de Viamão, município metropolitano de Porto Alegre, divulgou que o Instituto-Geral de Perícias (IGP) do Rio Grande do Sul concluiu a análise pericial das amostras de matérias orgânicas encontradas nas embalagens do molho de tomate da marca Fugini. A perícia foi realizada em três amostras do produto, provenientes de lotes diferentes e coletadas em três estabelecimentos comerciais distintos. Os resultados revelaram a presença de fungos e ovos de parasitas no produto em questão.

De acordo com a delegada Jeiselaure, a análise realizada, conhecida como exame histopatológico, não permite a identificação específica dos tipos de fungos e parasitas encontrados no molho de tomate. Ela esclarece que seria necessário realizar uma cultura microbiológica; no entanto, o Instituto-Geral de Perícias (IGP) informou que não realiza esse tipo de análise. Apesar disso, a delegada ressalta que o exame histopatológico já evidencia um problema com o produto, o que é suficiente para a conclusão do inquérito, não fazendo uma grande diferença para a investigação especificar os tipos de fungos e parasitas presentes.

No entanto, Jeiselaure destaca que uma análise realizada pelo Laboratório Central do Estado (Lacen) constatou a presença de fungos em outras amostras, que eram embalagens fechadas enviadas pela Vigilância Sanitária e coletadas em estabelecimentos comerciais. Apesar dessa constatação, a posição do IGP era necessária para intimar os responsáveis pela empresa fabricante do molho.

“O resultado comprova que esses molhos estavam efetivamente contaminados por fungos e ovos de parasitas. E a resposta do IGP sobre o produto ser considerado próprio para o consumo humano é justamente que os alimentos contaminados por fungos não são adequados, porque podem estar associados a bactérias, produzir toxinas que são prejudiciais à saúde dos humanos e desencadear, inclusive, ou piorar quadros alérgicos. E também os parasitas podem causar diversos tipos de infestação nos humanos”, disse a delegada.

Com base nos resultados da perícia, serão intimados representantes da marca Fugini para depor no Rio Grande do Sul, uma vez que a fábrica está localizada em Monte Alto, no estado de São Paulo. A conclusão do trabalho policial está prevista para o final de maio, e ainda não foi revelado qual crime a empresa poderá ser indiciada, caso isso ocorra.”

O que diz a Fungini

Confira abaixo o posicionamento na íntegra da empresa:

A respeito de informações veiculadas recentemente na imprensa e nas redes sociais, a Fugini Alimentos, empresa referência no setor, com 27 anos de atuação no mercado, esclarece que:

1. No âmbito de sua política de sustentabilidade, saudabilidade e rótulos limpos (clean label), a marca deixou de usar conservantes artificiais como, por exemplo, o sorbato de potássio, e reduziu o uso de alguns ingredientes naturais, como açúcar, sal e gordura, que estão sendo eliminados ou restringidos em seus produtos.

2. Essa transição para produtos mais naturais, associada à falta de conhecimento técnico da população sobre o assunto, têm provocado rumores infundados entre consumidores e a opinião pública.

3. O processo de produção, enchimento e fechamento da embalagem sachê é totalmente automatizado. Mesmo com um índice de ocorrências extremamente baixo (0,000003% ou 3 casos por milhão) do total produzido e comercializado, o transporte e/ou o manuseio incorretos das embalagens pode danificá-las de forma imperceptível a olho nu (com o surgimento de micro-furos), o que eventualmente pode fazer com que o produto entre em contato com micro-organismos potencialmente causadores de bolor.

4. Isso não significa, de forma alguma, que o produto tenha um problema de qualidade, mas sim que ele está passando por um processo de oxidação ou decomposição natural, assim como pode acontecer com as frutas, o ovo ou o pão, por exemplo. Esse fato também pode ocorrer pelo armazenamento por período incorreto na geladeira (após a abertura da embalagem, o consumo deve ser realizado em até um dia).

5. Em relação às informações que vêm sendo veiculadas pela imprensa desde o dia 17 de maio, que fazem referência a uma perícia do Instituto-Geral de Perícias (IGP) em um de seus produtos, a Fugini informa que não teve acesso a qualquer laudo relacionado ao procedimento noticiado.

Por fim, a Fugini reforça que seus canais de atendimento estão sempre abertos para esclarecer quaisquer dúvidas. Nosso SAC (0800 702 4337 ou [email protected]) está disponível, de segunda a sexta-feira das 08h00 às 17h00.

A Fugini usufrui do conhecimento adquirido ao longo da história, ao mesmo tempo que é incansável na busca por inovação. Estamos certos de que a tecnologia de ponta (pasteurização, automatização e gestão de qualidade) utilizada nos processos de fabricação e envase garante a saudabilidade e qualidade de todos os nossos produtos.

Seguiremos trabalhando de forma contínua para manter a sociedade informada sobre os pilares fundamentais que sustentam a idoneidade e o compromisso da marca com seus milhões de consumidores.

Não é um caso isolado

No fim de março, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) suspendeu a fabricação, comercialização, distribuição e uso de alimentos da marca Fugini. A medida foi tomada após inspeção na fábrica localizada em Monte Alto, no interior de São Paulo. Na ocasião, a Anvisa afirmou que, durante a inspeção, foram identificadas falhas graves relacionadas a higiene, controle de qualidade e segurança das matérias-primas, controle de pragas, e rastreabilidade. Porém, a decisão foi suspensa em abril.

Em 2022, o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) apresentou à Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor) e à Vigilância Sanitária do município de Monte Alto (SP) uma denúncia contra a marca por publicidade enganosa em um produto de sua linha de cremes, o creme de avelã com cacau Avelãcrem. O Idec identificou que o produto não continha avelã em sua composição, apesar de ter a oleaginosa como parte do seu nome, de apresentar sua imagem no rótulo e ter sua denominação de venda como “creme de avelã com cacau”.

Na verdade, o Avelãcrem continha apenas um “aromatizante idêntico ao de avelã”. No entanto, segundo o Informe Técnico da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) nº 26/2007, quando um produto contém aromatizante idêntico a um ingrediente natural, todo fabricante deve informar no rótulo principal a expressão “contém aromatizante sintético idêntico ao natural”. No entanto, o produto da Fugini apenas declarava que era “aromatizado artificialmente” e, portanto, estava em desacordo com a legislação da Anvisa.

O tipo de “sujeira” que a Anvisa tolera nos alimentos

A legislação brasileira tolera a presença não só de pelos de ratos, mas também de pedaços de moscas, baratas, aranhas, formigas, areia, pelos humanos, teias e até excrementos animais – desde que estejam dentro do limite estabelecido por lei. Quem determina esse limite é o RDC-14, um conjunto de leis criado em 2014 que aponta a quantidade de “sujeira” aceitável em um alimento sem causar problemas de saúde para o consumidor.

Para se ter uma ideia, molho e extrato de tomate, catchup e outros derivados: um fragmento de pelo de roedor a cada 100 g, dez fragmentos de insetos (como moscas e aranhas) a cada 100 g. Doces em pasta e geleia de frutas: 25 fragmentos de insetos a cada 100 g. Farinha de trigo: 75 fragmentos de insetos a cada 50 g. Biscoitos, produtos de panificação e confeitaria: 225 fragmentos de insetos a cada 225 g.

Para além do caso Fugini

Essa notícia não é para causar terrorismo alimentar midiático contra a marca Fugini, e sim para noticiar um exemplo do modus operandi da indústria alimentícia. Não é exclusividade dessa marca entregar produtos de qualidade duvidosa para os consumidores. Especificamente, a marca em questão era e ainda é uma das mais consumidas pela população de baixa e média renda, o que exemplifica de forma clara o que abordamos em outros momentos: o nutricídio, um genocídio populacional por meio da alimentação.

O fenômeno do nutricídio surge em meio ao contexto dominante do sistema capitalista de produção e distribuição de alimentos, que se baseia no uso excessivo de agrotóxicos, transgênicos e alimentos ultraprocessados. Esse sistema favorece o consumo desses produtos em detrimento dos alimentos naturais, contribuindo para a desvalorização da comida in natura e perpetuando a existência de áreas conhecidas como desertos alimentares, onde a população tem acesso limitado a alimentos frescos devido à distância geográfica e à vulnerabilidade econômica e social.

O nutricídio não apenas compromete a saúde da população, mas também leva ao apagamento de povos e culturas, resultando na perda de autonomia e na dependência crescente da indústria farmacêutica. A falta de acesso a alimentos saudáveis e nutritivos está diretamente ligada ao surgimento de doenças crônicas, como diabetes, obesidade, hipertensão e doenças cardiovasculares, que afetam de maneira desproporcional as comunidades mais vulneráveis.

Essa abordagem do sistema alimentar, que prioriza o lucro em detrimento da saúde e do bem-estar das pessoas, é uma ameaça à sustentabilidade e à justiça social. É necessário repensar e transformar esse modelo de produção e distribuição de alimentos, promovendo a valorização dos alimentos in natura, o incentivo à agricultura familiar e sustentável, além do fortalecimento da autonomia alimentar das comunidades.

Ao reconhecer os impactos negativos do nutricídio e buscar alternativas mais saudáveis e equitativas, podemos construir um sistema alimentar que respeite a diversidade cultural, promova a saúde, resgate a relação com a natureza e contribua para a construção de sociedades mais justas e resilientes. Essa mudança requer a participação de diversos atores, desde governos e organizações da sociedade civil até os próprios consumidores, que podem fazer escolhas conscientes e exigir mudanças nos sistemas alimentares.