Painel será iluminado por um ano, chamando a atenção para a situação de vulnerabilidade de defensores do meio ambiente e direitos humanos

A obra de de 618m² está localizada na lateral de um prédio na rua Quintino Bocaiúva, a poucos metros da Catedral da Sé (Divulgação)

 

Por ocasião do Dia Internacional dos Direitos Humanos, celebrado em 10 de dezembro, o artivista Mundano, lançará oficialmente nesta quinta-feira (8), na capital paulista, um painel em homenagem ao indígena Ari Uru-Eu-Wau-Wau, assassinado em abril de 2020. A intenção é chamar a atenção para a situação de vulnerabilidade a que estão expostos os guardiões da floresta, como indígenas e lideranças de comunidades tradicionais, além de ambientalistas e defensores dos direitos humanos.

A partir de hoje, como forma de sensibilizar as pessoas sobre a importância de defesa de direitos constitucionais, todas as noites, durante um ano, a obra será iluminada.

Além de retratar o indígena assassinado em abril de 2020, em Rondônia, Mundano escreveu os nomes de dezenas de defensores da floresta que também foram assassinados. A obra de de 618m² está localizada na lateral de um prédio na rua Quintino Bocaiúva, a poucos metros da Catedral da Sé. O local escolhido tem relação com o tema e os materiais usados para a pintura. A obra foi executada com tinta produzida com terra coletada no Marco Zero de São Paulo, na praça da Sé, que foi misturada a cinzas de queimadas da Amazônia coletadas por Mundano há dois anos.

Além da situação de vulnerabilidade, a impunidade é marca de casos como o de Ari. Como sempre, são presos os executores e dificilmente, os mandantes. É o que ocorre no caso de Ari. O suspeito foi preso em julho, mas entidades do território cobram que os mandantes sejam encontrados e punidos. As investigações da PF apontam que a motivação do crime tenha sido por conta do trabalho de Ari, contra a venda ilegal de madeira em seu território.

Visita guiada

À ocasião da inauguração da iluminação, ocorrerá uma visita guiada, passando pelo Pateo do Colégio até a Catedral da Sé, chegando por fim, ao painel. O objetivo é engajar os guias turísticos, para que passem a contar histórias dos territórios indígenas em São Paulo.

A iniciativa pretende inserir a obra no roteiro turístico da capital, em especial no percurso do Marco Zero, que historicamente limita a atuação indígena ao cacique Tibiriçá que teria sido um colaborador fiel aos interesses dos jesuítas, silenciando vestígios históricos anteriores à chegada dos europeus. Profissionais de turismo e educadores que tiverem interesse em fazer a visita guiada, poderão a partir do dia 9/12 , e agendar no email  ([email protected]).

O artivista Mundano ressalta a importância de rever a história e os personagens invisibilizados. “O Marco Zero tem uma história de disputa por território que aconteceu há quinhentos anos. Sangue indígena derramado aqui. E que continuou sendo derramado por todo o Brasil durante 5 séculos. Já passou do tempo dos direitos humanos serem respeitados no Brasil para todas as etnias. É necessário direcionar o olhar para as presenças invisibilizadas e recontar a história dessa cidade e do país.”, afirma.

Cinzas que lembram chagas sociais

O artivista já havia usado a técnica de produzir tintas com materiais resultantes de tragédias ambientais em 2020, quando usou lama tóxica resultante da tragédia de Brumadinho, e em 2021, com cinzas de queimadas na Amazônia, Cerrado, Pantanal e Mata Atlântica.

Desta vez, Mundano agrega materiais que remetem a uma das maiores chagas sociais do país.

“Onde hoje temos o marco zero da maior cidade da América Latina era território indígena, que foi ocupado em um processo de expulsão e morte dos povos originários que persiste até hoje. É o que estamos vendo na Amazônia, mas também em todas as regiões onde os indígenas ainda mantêm parte de suas terras. Por isso Ari foi retratado com terra do marco zero e cinzas da Amazônia – ambos territórios indígenas”, explica Mundano.

A obra encerra um ciclo que o artivista chama de #releiturasmundanas, feitas no escopo do centenário da Semana de Arte Moderna e lançando as bases de uma nova modernidade, pautada pelo artivismo e pela arte pública. Ela teve início em 2020, quando Mundano usou lama tóxica de Brumadinho para fazer um painel inspirado no quadro “Operários”, de Tarsila do Amaral. Em 2021, ele combinou cinzas de queimadas na Amazônia, Cerrado, Pantanal e Mata Atlântica para homenagear os brigadistas que combatem as queimadas em todo o Brasil com uma releitura de “O Lavrador de Café”, de Cândido Portinari. Desta vez, Mundano inspirou-se em “Bananal”, obra de 1927) do pintor lituano-brasileiro Lasar Segall – uma das principais obras do movimento modernista brasileiro.

Enquanto em Bananal só é mostrado o rosto e o pescoço do personagem, no mural de Mundano é possível ver o corpo e também a mão de Ari, segurando a ponta de uma lança, como na imagem que ficou nacionalmente conhecida pela foto de Gabriel Uchida que ilustrou as matérias sobre sua morte. A diferença é sutil, mas reveladora de seu papel em sua comunidade.

O artivista Mundano ressalta a importância de rever a história e os personagens invisibilizados (Divulgação)

Ari Uru-Eu-Wau-Wau fazia parte da equipe de vigilantes Guardiões, que protege o território indígena, combatendo as invasões de madeireiros e grileiros. Ari era também professor na aldeia 621. Foi encontrado morto na manhã de 18 de abril de 2020, assassinado com aproximadamente quatro golpes na cabeça. Tinha apenas 33 anos.

O desmatamento na Amazônia respondeu por 77% das emissões por mudança e uso da terra em 2021 – categoria responsável por metade dos gases de efeito estufa que o Brasil emitiu no ano passado. Os mais recentes dados do MapBiomas mostram que a perda de vegetação nativa em territórios indígenas foi de apenas 0,8% entre 1985 e 2021, contra 21,5% fora de áreas protegidas na Amazônia – o que comprova a importância dos territórios indígenas para o combate à crise climática.

A produção do mural levou dez dias, foi realizada pela Parede Viva e contou com a assistência de mais quatro artistas: Everaldo Costa, Carolina Afolego, André Hulk e André Firmiano. O prédio fica localizado na rua Quintino Bocaiúva e a imagem pode ser vista da praça Dr. João Mendes, no centro de São Paulo.

(Com assessoria)